21.11.12

Sobre O Rei da Vela

Pediram-me que falasse de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, e presto aqui estou. Afinal esse picadero nasceu (e mantem-se?) com o espírito satírico de Oswald, sendo seu nome uma de suas blagues: "Fui com eles [Emílio de Menezes e Blaise Cendrars] palhaço de classe", diria nas páginas iniciais de Serafim Ponte Grande o seu autor, olhando criticamente para seu próprio passado, em um dos muitos momentos de revisão ideológica pelos quais passaria ao longo da vida.
E O Rei da Vela é de um interesse especial dentro da produção literária de Oswald, assim como representa uma guinada na produção teatral brasileira. Sábato Magaldi atribui-lhe "papel fundador de uma nova dramaturgia no Brasil", e explica: "o texto representou o exemplo inaugural de um teatro concebido segundo os princípios do modernismo; ao invés de uma análise rósea da realidade nacional, ele propõe uma visão desmistificadora do país".
Uma das sequências mais memoráveis da peça conta a história de Jujuba, que trascrevo a seguir.

[...]
ABELARDO I - Calma! Não és parecido com o Jujuba, senão no físico. Vou te contar a história do Jujuba! Era um simples cachorro! Um cachorro de rua... Mas um cachorro idealista! Os soldados de um quartel adotaram-no. Ficou sendo o mascote do batalhão. Mas o Jujuba era amigo dos companheiros de rua! Na hora da bóia, aparecia dois, três. Em pouco tempo, a cachorrada magra, suja e miserável enchia o pátio do quartel. Um dia, o major deu o estrilo. Os soldados se opuseram a saída da sua mascote! Tomaram o Jujuba nos braços e espingardearam os outros... A cachorrada vadia voltou pra rua. Mas quando o Jujuba se viu solto recusou-se a gozar o privilégio que lhe queriam dar. Foi com os outros!
ABELARDO II - Demagogia!
ABELARDO I - Não. Ele provou que não! Nunca mais voltou para o quartel. Morreu batido e esfomeado como os outros na rua, solitário com sua classe! Solidário com sua fome! Os soldados ergueram um monumento ao Jujuba no pátio do quartel. Compreenderam o que não trai. Eram seus irmãos. Os soldados são da classe Jujuba. Um dia também deixarão atropeladamente os quartéis. Será a revolução social... Os que dormem nas soleiras das portas se levantarão e virão aqui procurar o usurário Abelardo! E hão de encontrá-lo...
ABELARDO II - Os soldados são patriotas! Os soldados amam o Brasil. Viva o Brasil!
[...]

Mas pediram-me a indicação de referências bibliográficas sobre O Rei da Vela, e perco-me em recordações e em delícias de leitura. Os textos que conheço e indico são os seguintes:
1. a edição mais recente de O Rei da Vela, preparada pela Globo (existe um exemplar na biblioteca da UFC), traz dois textos introdutórios bastante interessantes: "O país desmascarado", de Sábato Magaldi (de onde aliás retirei os trechos citados acima); e "O Rei da Vela: Manifesto do Oficina", de José Celso Martinez (que foi o diretor responsável pela primeira montagem da peça, no obscuro ano de 1967, trinta anos depois de ser escrita);
2. Mas texto de maior fôlego está em Teatro da Ruptura: Oswald de Andrade, livro de Sábato Magaldi; o terceiro capítulo do livro é uma longa análise da peça, com detalhamento necessário para aprofundar o entendimento do valor de Oswald não apenas como enfent terrible do modernismo paulista, mas como dramaturgo responsável pela renovação da linguagem teatral e por uma visão mais crítica de nossa realidade, sempre complexa, ontem como hoje.

Até já.

Um comentário:

Camila disse...

Muito obrigada pela rapidez da resposta! A indicação 1, do livro que tem na biblioteca, já emprestei, é muito bom.Por enquanto vou me revezando entre estudar os textos do naturalismo e realismo e ler sobre O Rei da Vela. Tempo, tempo, tempo, tempo....