20.11.12

Quando Eça escandalizava Machado





[...]
Às três horas lancharam. Foi delicioso; tinham estendido um guardanapo sobre a cama; a louça tinha a marca do Hotel Central; aquilo parecia a Luísa muito estróina, adorável — e ria de sensualidade, fazendo tilintar os pedacinhos de gelo contra o vidro do copo, cheio de champagne. Sentia uma felicidade exuberante que transbordava em gritinhos, em beijos, em toda a sorte de gestos buliçosos. Comia com gula; e eram adoráveis os seus braços nus movendo-se por cima dos pratos.
Nunca achara Basílio tão bonito; o quarto mesmo parecia-lhe muito conchegado para aquelas intimidades da paixão; quase julgava possível viver ali, naquele cacifo, anos, feliz com ele, num amor permanente, e lanches às três horas... Tinham as pieguices clássicas; metiam-se bocadinhos na boca; ela ria com os seus dentinhos brancos; bebiam pelo mesmo copo, devoravam-se de beijos, — e ele quis-lhe ensinar então a verdadeira maneira de beber champagne. Talvez ela não soubesse!
— Como é? — perguntou Luísa erguendo o copo.
— Não é com o copo! Horror! Ninguém que se preza bebe champagne por um copo. O copo é bom para o Colares...
Tomou um gole de champagne e num beijo passou-o para a boca dela. Luísa riu muito, achou “divino”; quis beber mais assim. Ia-se fazendo vermelha, o olhar luzia-lhe.
Tinham tirado os pratos da cama; e sentada à beira do leito, os seus pezinhos calçados numa meia cor-de-rosa pendiam, agitavam-se, enquanto um pouco dobrada sobre si, os cotovelos sobre o regaço, a cabecinha de lado, tinha em toda a sua pessoa a graça lânguida de uma pomba fatigada.
Basílio achava-a irresistível; quem diria que uma burguesinha podia ter tanto chic, tanta queda? Ajoelhou-se, tomou-lhe os pezinhos entre as mãos, beijou-lhos; depois, dizendo muito mal das ligas “tão feias, com fechos de metal”, beijou-lhe respeitosamente os joelhos; e então fez-lhe baixinho um pedido. Ela corou, sorriu, dizia: não! não! — E quando saiu do seu delírio tapou o rosto com as mãos, toda escarlate; murmurou repreensivamente:
— Oh, Basílio!
Ele torcia o bigode, muito satisfeito. Ensinara-lhe uma sensação nova; tinha-a na mão!
[...]

(Queirós, Eça de. O Primo Basílio. São Paulo: Abril Cultural, 1979; capítulo VII, p. 160)

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