12.12.11

Leituras do Naturalismo


     O romantismo foi o meio de expressão próprio da ascenção burguesa; naturalismo foi o de sua decadência. Ao cansaço ante a "monumentalidade retórica" do primeiro, opor-se-ia o sentido monótono do segundo, com a sua repetição vulgar, o seu esquematismo, a sua pobreza de meios. Ao romantismo vigoroso que possibilitaria a grandeza de Balzac e de Stendhal, suceder-se-ia a tentativa de romper a estreiteza da fórmula romântica pela busca de uma aproximação com o real, surgindo o realismo, de que se originaria o naturalismo, como prolongamento e deformação. Mas já os chamados realistas, isto é, aqueles que vinham reagir contra as normas românticas, denunciavam claramente os sintomas de decadência; Flaubert, no romance; Renan, na crítica religiosa; Taine, na história e na teoria da literatura. Os naturalistas não fizeram mais do que aprofundar e sistematizar, caracterizando-se claramente, aqueles sintomas. A simples busca de suportes científicos, destinados a conferir grandeza ao que não a podia conter em si mesmo, correspondia a uma confissão de fraqueza: era preciso encontrar, fora da arte literária, algo suplementar, que a reforçasse, que lhe consolidasse a estrutura, como que lhe constituindo os fundamentos. A aceitação de que a realidade se resumia naquilo que era perceptível pelos sentidos existia já entre os realistas que preludiam o naturalismo. Taine e Renan gostavam de proclamar-se "positivistas", no sentido de apegados a coisas provadas, a coisas visíveis, a coisas facilmente perceptíveis, dotadas, aparentemente, de uma lógica, a lógica formal, evidentemente. Suprimindo os outros aspectos, os que escapavam à visão simplista e direta, pensavam resolvê-los. Daí a confiança absoluta, não na ciência, como parecia, mas no estágio a que a ciência havia ascendido, dotando-o de um sentido absoluto. As certezas eram tão cegas que Renan chegaria ao absurdo de proclamar: "Hoje o mundo não encerra mais mistérios". No fundo, isso revelava o sentido de eternidade que a burguesia pretendia para o seu domínio e para tudo o que ele caracterizava, particularmente no campo ideológico, contrapondo-se à ânsia de mudança que estava implícita nas lutas sociais e no avanço, tormentoso e reprimido embora, da classe trabalhadora.

[SODRÉ, Nelson Werneck. O naturlismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. p. 18]

["Os jogadores" (1863), de Honoré Daumier]

Duas notas sobre o trecho acima: 1)o vício nosso de uma raça que temos de falar cultista, nosso lado doutor, de falar balofo e roçagante, que graçou em meio às culteranias do nosso barroco meio cana-meio ouro, e que no momento nacionalista do romantismo tanto se ufanou de sua própria pompa verborrágica, certamente teve a resistência necessária para se estender de algumas formas na literatura realista, e ainda no acesso naturalista (ou seja, a "monumentalidade retórica" não deixou de existir com a chegada do naturalismo); 2) o avanço da classe trabalhadora, ao menos em termos de espaço conquistado no campo da representação literária, só ganha efetivas condições de existência com o surto industrial de São Paulo, alimentado pela importação de mão de obra vindo do velho continente...

enquanto não chegam as férias...

     
     A preguiça não é um mito, é um dado fundamental e quase natural da situação escolar. Por quê? Porque a escola é uma estrutura de coação e a preguiça é um meio, para o aluno, de agir sobre essa coação. A aula possui fatalmente uma força de repressão, quanto mais não seja porque aí se ensinam coisas de que o adolescente não tem forçosamente o desejo. A preguiça pode ser uma resposta a essa repressão, uma tática subjetiva para assumir o aborrecimento, para manifestar a consciência que dela tem e assim, de uma certa maneira, dialetizá-la. Essa resposta não é direta, não é uma contestação aberta, pois o aluno não tem meios para responder de frente às coações; é uma resposta desviada que evita a crise. Em outras palavras, a preguiça escolar tem um valor semântico, faz parte do código das aulas, da língua natural do aluno.
     Se observarmos a etimologia, nota-se que, em latim, piger, o adjetivo (já que preguiça vem de pigritia), quer dizer "lento". Esta é a faceta mais negativa, mais triste, da preguiça e consiste, então, em fazer as coisas, mas mal, contra a vontade, satisfazer a instituição dando-lhe uma resposta, mas uma resposta que se arrasta.
     Em grego, pelo contrário, preguiçoso diz-se argos, contração de a-ergos, pura e simplesmente "que não trabalha". O grego é muito mais franco que o latim.
     Já neste pequeno debate etimológico se perfila a possibilidade de uma certa filosofia da preguiça.
     Fui professor de liceu apenas um ano. Não é daí que formei uma idéia da preguiça escolar, mas sim da minha própria experiência de aluno. Volto a encontrar espontaneamente a preguiça escolar, mas a título de metáfora, na minha vida atual, que em princípio não tem nada a ver com a de um aluno: muitas vezes, diante das tarefas que mais me aborrecem, como o correio, manuscritos por serem lidos, resisto e digo para comigo mesmo que não consigo fazê-los, exatamente como o aluno que não é capaz de fazer os deveres. Trata-se, nesses momentos, de uma experiência dolorosa da preguiça, na medida em que é uma experiência dolorosa da vontade.

[Barthes, Roland. "Ousemos ser preguiçosos". Entrevista concedida a Christine Eff, publicada em Le Monde-Dimenche,
16 de setembro de 1979. In: _______. O grão da voz. Tradução Anamaria Skinner.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. p. 367-8]

3.12.11

Literatura Brasileira I: sobre o conteúdo da AF

Um dos aspectos que deve estar bem compreendido para o conhecimento efetivo do período que estudamos na disciplina é sua evolução poética: os desenvolvimentos da poesia efetivados desde Gregório de Matos até o surgimento de Gonçalves Dias. Ou seja, é preciso compreeder claramente as peculiaridades de cada um dos três momentos (barroco, arcádico e romântico), sabendo distinguir o que há de continuidade entre um momento e o seguinte, assim como percebendo as rupturas fundamentais entre um e outro. Sendo assim, deveremos ter a compreensão, por exemplo, de que a poesia mestiça de Gregório de Matos tem uma familiaridade com a poesia romântica brasileira, que idealizará a formação mestiça brasileira. Sobre este traço da poesia lírica do "Boca do Inferno", e evocando a riqueza da galeria feminina do poeta baiano, vale citarmos Segismundo Spina: "O nacionalismo da sua poesia lírica reside justamente nesse hinário crioulo, nesses cantos tropicais às mulatinhas lindas como as aleluias e garridas como as páscoas" (In: COUTINHO, Afrânio (Org.). A literatura no Brasil. Vol. 2, p. 116).

27.11.11

ainda sobre Alencar

Apresentação da obra/vida de José de Alencar, em vídeo produzido pala TV Escola. Direção de Luiz Fernando Ramos.

O estilo de Iracema, por Machado de Assis

O estilo do livro é como a linguagem daqueles povos: imagens e ideias, agrestes e pitorescas, respirando ainda as auras da montanha, cintilam nas cento e cinquenta páginas da Iracema. Há, sem dúvida, superabundância de imagens, e o autor, com uma rara consciência literária, é o primeiro a reconhecer este defeito. O autor emendará, sem dúvida, a obra empregando neste ponto uma conveniente sobriedade. O excesso, porém, se pede a revisão da obra, prova em favor da poesia americana, confirmando ao mesmo tempo o talento original e fecundo do autor. Do valor das imagens e comparações, só se pode julgar lendo livro, e para ele enviamos os leitores estudiosos.

[Machado de Assis. In: Alencar, José de. Iracema: lenda do Ceará. Biografia, introdução e notas
de M. Cavalcanti Proença. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997]

{para conferir texto completo, ver http://pt.wikisource.org/wiki/Jos%C3%A9_de_Alencar:_Iracema}

Sobre o uso do símile em Iracema

[...]
Qualquer leitor mais atento notará que o símile, isto é, a comparação, é abundantemente usado; alguém, dispondo de pendores estatísticos, poderia levantar, desde logo, o número assoberbante de símiles em relação às outras figuras, não só de comparação, como seja a metáfora, ou, ainda, por justaposição, a metonímia, mas em relação, também, a figuras de qualquer espécie. Será bom, por isso, que nos detenhamos um pouco sobre os símiles.
A primeira observação a fazer é a raridade das comparações simples do tipo “passa como a flecha”. Na verdade a comparação se prolonga, várias vezes se transforma em alegoria. Tomemos, ao acaso, um exemplo em cada um dos três primeiros capítulos: “a borrasca enverga, como o condor, as foscas asas sobre o abismo” (1); “o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva” (2); “então seu olhar como o do tigre, afeito às trevas, conheceu Iracema” (3). Note-se, no primeiro, as asas do condor que é negro como as nuvens tempestuosas, as asas cujo aceno sugere os ventos ainda não desencadeados; o “fosca”, reproduzindo bem a luz baça do céu de tempestade, e, afinal, o oceano que se vai tornar perigoso durante a tormenta, desde logo denominado “abismo”. No segundo caso, a delicadeza do símile começa naquele “aljôfar” metafórico, sugerindo pérolas ou diamantes, e se prolonga no verbo “roreja” que antecipa a imagem da mangaba coberta de orvalho, rosada, que é sinal de amadurecimento e subentende a doçura extrema, que é da mangaba e é de Iracema. No terceiro, a idéia de tigre confere a Araquém não só o olhar felino, perspícuo na treva, mas atributos de coragem altiva que irá demonstrar mais tarde. Se o leitor acompanhou com interesse este comentário, e deseja um exemplo de símiles que se prolongam em alegorias, pode ir ao capítulo 27, nos parágrafos em que Martim é comparado ao imbu; ou ao fim dos capítulos seguintes, quando se fala do jacarandá. São duas entre várias.
[...]

(In: Alencar, José de. Iracema: lenda do Ceará. Biografia, introdução e notas
por M. Cavalcanti Proença. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997)
[ilustração: Iracema (1881), óleo de José Maria de Medeiros]

19.10.11

Literatura Brasileira IV: avaliação complementar

Seguem as duas questões que deverão ser respondidas até terça-feira (25/10), valendo de zero a dois pontos. Esta atividade não é obrigatória e, tendo sido antecipadamente divulgada e comentada, sua resolução não será recebida após a data combinada. Até lá.

Universidade Federal do Ceará

Centro de HumanidadesCurso de LetrasDepartamento de Literatura

Literatura Brasileira IVProfessor: Marcelo MagalhãesAvaliação complementar

1. Leia o trecho abaixo, decalcado do “Manifesto neoconcreto”, e explique qual a divergência fundamental, nele sugerida, entre os “poetas concretos racionalistas” e a poesia neoconcreta. Fundamente sua resposta com recortes do trecho apresentado e do “plano piloto da poesia concreta” (http://www.poesiaconcreta.com/).

[...] Os poetas concretos racionalistas também puseram como ideal de sua arte a imitação da máquina. Também para eles o espaço e o tempo não são mais que relações exteriores entre palavras-objeto. Ora, se assim é, a página se reduz a um espaço gráfico e a palavra a um elemento desse espaço. Como na pintura, o visual aqui se reduz ao ótico e o poema não ultrapassa a dimensão gráfica. A poesia neoconcreta rejeita tais noções espúrias e, fiel à natureza mesma da linguagem, afirma o poema como um ser temporal. No tempo e não no espaço a palavra desdobra a sua complexa natureza significativa. A página na poesia neoconcreta é a espacialização do tempo verbal: é pausa, silêncio, tempo. Não se trata, evidentemente, de voltar ao conceito de tempo da poesia discursiva, porque enquanto nesta a linguagem flui em sucessão, na poesia neoconcreta a linguagem se abre em duração. Conseqüentemente, ao contrário do concretismo racionalista, que toma a palavra como objeto e a transforma em mero final ótico, a poesia neoconcreta devolve-a à sua condição de “verbo”, isto é, de modo humano de representação do real. Na poesia neoconcreta a linguagem não escorre: dura.

[...]

(Gullar, Ferreira. “Manifesto neoconcreto”, 1959)

2. Leia o trecho que segue e, utilizando aspectos nele apontados, analise o poema “Oswald morto”, de Ferreira Gullar. Não deixe de desenvolver breve comentário sobre a oposição entre modernismo e pós-modernismo – especificamente no tocante aos “nacionalismos” e aos “regionalismos”:

[...] É o poeta brasileiro. É o único poeta ‘brasileiro’. Isso não tem importância, pois no Ocidente os nacionalismos literários estão desaparecendo com a mesma rapidez com que em certas nações desapareceram os regionalismos. [...]

(Faustino, Mário. “A poesia ‘concreta’ e o momento poético brasileiro” [1957], p. 471)

Literatura Brasileira IV: 26 poetas hoje


Segue abaixo o link para realizar download de 26 poetas hoje, antologia publicada pelos meados dos anos 1970, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda. Reunião de poetas importantes para a caracterização do período e fundamentais para a compreensão dos desdobramentos da linguagem poética depois de 1950... Dos 26 poetas escolhidos na antologia original, discutiremos apenas 3: Antônio Carlos de Brito (Cacaso), Ana Cristina César e Wally Sailormoon. Discutiremos também, na aula do dia 25/10, a introdução e o posfácio da antologia, textos assinados pela organizadora. Para quem quiser imprimir somente os trechos de interesse para nossa disciplina, segue a indicação das páginas: 3-4; 9-15; 39-42; 139-142; 180-185; 256-263.

http://www.4shared.com/document/2hZaM3_S/26_Poetas_Hoje.html

Frase da semana


Se um homem sabe manter vivo o que é velho e reconhecer o que é novo, poderá, um dia, ensinar.
[Confúcio In: Faustino, Mário. De Anchieta ao Concretos.
São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 483]

Procurando estabelecer um lugar de reflexão sobre a poesia brasileira nas páginas dos jornais, Mário Faustino foi o responsável por um estudo abrangente da tradição poética brasileira, pela divulgação e avaliação das ideias vanguardistas dos anos 1950, assim como pela publicação da produção de poetas dos mais relevantes daquele momento (hoje estabelecidos no cânone contemporâneo). O trabalho de Mário Faustino, morto precocemente em 1962, soube "manter vivo o que é velho e reconhecer o que é novo", e é por isso que dele podemos tirar muitos ensinamentos no estudo dos desenvolvimetos da poesia brasileira.

Literatura Brasileira I: AP2: Barroco

Universidade Federal do Ceará

Centro de HumanidadesCurso de LetrasDepartamento de Literatura

Literatura Brasileira IProfessor: Marcelo Magalhães2ª ap

1. A partir da leitura do texto abaixo, e da análise de trechos de Prosopopeia, responda aos itens que seguem:

“A partir do Prólogo que marca ostensivamente o propósito encomiástico do poemeto, na verdade ‘prólogo-dedicatória’, verificamos a intenção de Bento Teixeira de distribuir em partes a matéria do seu canto de louvor a Jorge de Albuquerque Coelho. Constituído de noventa e quatro estrofes em oitava rima, o que se lê é, de fato, um esboço ainda mal alinhavado. Se o autor deu mesmo títulos a alguns grupos de estrofes – Narração, Descrição do Recife de Pernambuco, Canto de Proteu – podemos reconhecer no poemeto, por outro lado, as partes em que se divide o poema épico [...]. Sem dúvida camoniano (...), facilmente reconhecível, a partir da proposição (...), chega mesmo, mais de uma vez, a se opor a Camões ou a pretender corrigi-lo, como na invocação (...).

(Castello, José Aderaldo. Manifestações literárias do período colonial, p. 66-7)

a) Analise o “Prólogo” de Prosopopeia e aponte nele as marcas de seu propósito encomiástico. Como o poeta avalia sua própria obra diante da figura de Jorge de Albuquerque Coelho? Exemplifique sua resposta.

b) Analise a estrofe I de Prosopopeia, explicando seu caráter de proposição e demonstrando sua estrutura de influência camoniana (estrofes em oitava rima).

c) Compare a invocação de Prosopopeia com a de Os lusíadas e demonstre as diferenças entre uma e outra. Exemplifique sua resposta e procure justificar as diferenças apontadas.

2. Considerando os aspectos destacados no trecho abaixo, analise os textos de Botelho de Oliveira constantes na Antologia dos poetas do período colonial (pp. 13-4):

“Para muitos escritores do século XVII e grande parte do XVIII, a linguagem metafórica e os jogos de argúcia do espírito barroco eram maneiras normais de comunicar a sua impressão a respeito do mundo e da alma. E isto só poderia ser favorecido pelas condições do ambiente, formado de contrastes entre a inteligência do homem culto e o primitivismo reinante, entre a grandeza das tarefas e a pequenez dos recursos, entre a aparência e a realidade. Como a desproporção gera o senso dos extremos e das oposições, esses escritores se adaptaram com vantagem a uma moda literária que lhes permitia empregar ousadamente a antítese, a hipérbole, as distorções mais violentas da forma e do conceito. Para eles o estilo barroco foi uma linguagem providencial, e por isso gerou modalidades tão tenazes de pensamento e expressão que, apesar da passagem das modas literárias, muito delas permaneceu como algo congenial ao País.”

(Candido, Antonio. “Literatura de dois gumes”, p. 169)


3. Glauco Mattoso, espécie de herdeiro do satírico Gregório de Matos, define assim o que ele chama de “processoneto”: “O próprio conceito do soneto implica um paradoxo, pois, de um lado, a estrutura rígida cerceia a liberdade criativa do poeta e, de outro lado, essa aparente camisa-de-força estimula a habilidade do sonetista e testa seu domínio vocabular. Não por acaso vários autores tematizam o desafio da composição e a responsabilidade do sonetista em exemplos que poderiam ser chamados sonetos metalingüísticos, de ‘metassonetos’ ou, quando descrevem a própria construção, ‘processonetos’.” A partir desta consideração, responda os itens abaixo:

a) Identifique um exemplo de “processoneto” na Antologia dos poetas do período colonial, demonstrando seu caráter metalingüístico. Exemplifique.

b) Que relação se pode estabelecer entre o exemplo de “processoneto” analisado por você e o “Sermão da Sexagésima”, do padre Antônio Vieira? Explique e exemplifique.

4. Analise os sonetos de Gregório de Matos indicados na Antologia dos poetas do período colonial, apontando neles características essenciais do estilo barroco e distinguindo os gêneros desenvolvidos pelo poeta baiano. Fundamente suas considerações com trechos exemplares.

5. A partir da leitura das seções V e X do “Sermão da Sexagésima”, faça o que se pede nos itens abaixo:

a) Como Antônio Vieira caracteriza o que ele chama de “estilos modernos”? Como podemos relacionar o estilo culto, condenado por Vieira, e o próprio estilo literário do barroco? Não haverá contradição no fato de o maior orador do barroco luso-brasileiro condenar o cultismo? Procure responder aos questionamentos, justificando seus argumentos com trechos das seções indicadas.

b) Identifique, na seção X, dois aspectos temáticos que demonstrem a vinculação ideológica de Antônio Vieira com a Contra-Reforma católica. Não deixe de exemplificar cada um deles.

Observações:

  1. As citações e os exemplos devem ser retirados exclusivamente dos textos indicados para o estudo do conteúdo aqui avaliado.
  2. Os exemplos retirados aos textos devem ser transcritos no corpo das respostas integralmente.
  3. A cópia integral ou parcial de textos da internet como respostas das questões dessa avaliação levará à invalidação da mesma (nota zero).
  4. Utilize conceitos e noções dos textos estudados, mas não deixe de ser original e inventivo, desenvolvendo intuições que a leitura dos textos literários acaso tenha sugerido.

15.10.11

Gregório de Matos por Segismundo Spina



Numa carreira literária descontínua e de difícil reconstituição cronológica, Gregório de Matos militou por todos os setores da poesia: na satírica, na lírica profana e religiosa, na encomiástica, explorando também todos os recantos da versificação. Foi, sem dúvida, o primeiro prelo e o primeiro jornal que circulou na Colônia. Ao que parece, o lirismo do poeta, sobretudo o amoroso, foi precedido por uma intensa atividade satírica; a certa altura as duas formas correram paralelamente, até que, como ponto de chegada, um período de fé e de reflexão lhe abonançou a impetuosidade venenosa e o gênio picaresco.

[In: Coutinho, Afrânio (Org.). A literatura no Brasil. 7a. edição. São Paulo: Global, 2004. Volume 2, p. 114]

Os Lusíadas


Eis as primeiras estrofes do Canto I de Os Lusíadas, epopeia monumental de Luís de Camões. Transcrevem-se aqui as dezoito estrofes iniciais do canto de abertura, nas quais figuram a proposição (apresentação do assunto e dos herois, nas estrofes 1, 2 e 3), a invocação (em que o poeta invoca as Tágides, ninfas do rio Tejo, pedindo-lhes inspiração para escrever, nas estrofes 4 e 5) e o oferecimento (em que o poeta dedica seu canto ao rei D. Sebastião, da estrofe 6 a 18). A partir das estrofe 19, inicia-se a narração. As estrofes são regulares (ou seja, apresentam a mesma estrutura ao longo de todo o poema), configurando sempre o que chamamos de oitava rima (organizada em versos decassílabos, dipostos no seguinte esquema de rima: abababcc). O modelo de Camões seria imitado por alguns poetas importantes da literatura brasileira, o que constitui o "ciclo épico caminiano", iniciado entre nós por Bento Teixeira (com o poemeto Prosopopeia). Vamos ao "engenho e arte" de Camões:




As armas e os barões assinalados,
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
E em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;


E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.


Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram,
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram,
Que eu canto o peito ilustre Lusitano
A quem Netuno e Marte obedeceram;
Cesse tudo o que a Musa antígua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.


E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Porque de vossas águas, Febo ordene
Que não tenham inveja às de Hipoerene.


Dai-me uma fúria grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda;
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda,
Que se espalhe e se cante no universo,
Se tão sublime preço cabe em verso.


E vós, ó bem nascida segurança
Da Lusitana antiga liberdade,
E não menos certíssima esperança
De aumento da pequena Cristandade;
Vós, ó novo temor da Maura lança,
Maravilha fatal da nossa idade,
Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,
Para do mundo a Deus dar parte grande;


Vós, tenro e novo ramo florescente
De uma árvore de Cristo mais amada
Que nenhuma nascida no Ocidente,
Cesárea ou Cristianíssima chamada;
Vede-o no vosso escudo, que presente
Vos amostra a vitória já passada,
Na qual vos deu por armas, e deixou
As que Ele para si na Cruz tomou;


Vós, poderoso Rei, cujo alto Império
O Sol, logo em nascendo, vê primeiro,
Vê-o também no meio do Hemisfério,
E quando desce o deixa derradeiro;
Vós, que esperamos jugo e vitupério
Do torpe Ismaelita cavaleiro,
Do Turco oriental, e do Gentio,
Que inda bebe o licor do santo rio;


Inclinai por um pouco a majestade
Que nesse tenro gesto vos contemplo,
Que já se mostra qual na inteira idade,
Quando subindo ireis ao eterno Templo;
Os olhos da real benignidade
Ponde no chão; vereis um novo exemplo
De amor dos pátrios feitos valerosos,
Em versos divulgado numerosos;


Vereis amor da pátria não movido
De prémio vil, mas alto e quase eterno,
Que não é prémio vil ser conhecido
Por um pregão do ninho meu paterno.
Ouvi: vereis o nome engrandecido
Daqueles de quem sois senhor superno,
E julgareis qual é mais excelente,
Se ser do mundo Rei, se de til gente.


Ouvi, que não vereis com vãs façanhas,
Fantásticas, fingidas, mentirosas,
Louvar os vossos, como nas estranhas
Musas, de engrandecer-se desejosas.
As verdadeiras vossas são tamanhas,
Que excedem as sonhadas, fabulosas,
Que excedem Rodamonte e o vão Rugeiro,
E Orlando, inda que fora verdadeiro.


Por estes vos darei um Nuno fero,
Que fez ao Rei o ao Reino tal serviço,
Um Egas e um Dom Fuas, que de Homero
A cítara para eles só cobiço;
Pois pelos doze Pares dar-vos quero
Os doze de Inglaterra e o seu Magriço;
Dou-vos também aquele ilustre Gama,
Que para si de Eneias toma a fama.


Pois se a troco de Carlos, Rei de França,
Ou de César, quereis igual memória,
Vede o primeiro Afonso, cuja lança
Escura faz qualquer estranha glória,
E aquele que a seu Reino a segurança
Deixou com a grande e próspera vitória,
Outro Joane, invicto cavaleiro,
O quarto e quinto Afonsos e o terceiro.


Nem deixarão meus versos esquecidos
Aqueles que nos Reinos lá da Aurora
Se fizeram só por armas tão subidos,
Vossa bandeira sempre vencedora:
Um Pacheco fortíssimo, e os temidos
Almeidas por quem sempre o Tejo chora,
Albuquerque terríbil, Castro forte,
E outros em quem poder não teve a morte.


E enquanto eu estes canto, e a vós não posso,
Sublime Rei que não me atrevo a tanto
Tomai as rédeas vós do Reino vosso:
Dareis matéria a nunca ouvido canto.
Comecem a sentir o peso grosso
Que pelo mundo todo faça espanto
De exércitos e feitos singulares
De África as terras e do Oriente os mares.


Em vós os olhos tem o Mouro frio,
Em quem vê seu exício afigurado;
Só com vos ver o bárbaro Gentio
Mostra o pescoço ao jugo já inclinado.
Tethys todo o cerúleo senhorio
Tem para vós por dote aparelhado,
Que afeiçoada ao gesto belo e tenro
Deseja de comprar-vos para genro.


Em vós se vêm da Olímpica morada
Dos dois avós as almas cá famosas,
Uma na paz angélica dourada,
Outra pelas batalhas sanguinosas;
Em vós esperam ver-se renovada
Sua memória e obras valerosas,
E lá vos tem lugar, no fim da idade,
No Templo da suprema eternidade.


Mas enquanto este tempo passa lento
De regerdes os povos que o desejam,
Dai vós favor ao novo atrevimento,
Para que estes meus versos vossos sejam,
E vereis ir cortando o salso argento
Os vossos Argonautas, por que vejam
Que são vistos de vós no mar irado,
E costumai-vos já a ser invocado.

[edição utilizada para esta transcrição: Os Lusíadas. Edição escolar comentada por Otoniel Mota. São Paulo: Melhoramentos, 1948]