12.12.11

Leituras do Naturalismo


     O romantismo foi o meio de expressão próprio da ascenção burguesa; naturalismo foi o de sua decadência. Ao cansaço ante a "monumentalidade retórica" do primeiro, opor-se-ia o sentido monótono do segundo, com a sua repetição vulgar, o seu esquematismo, a sua pobreza de meios. Ao romantismo vigoroso que possibilitaria a grandeza de Balzac e de Stendhal, suceder-se-ia a tentativa de romper a estreiteza da fórmula romântica pela busca de uma aproximação com o real, surgindo o realismo, de que se originaria o naturalismo, como prolongamento e deformação. Mas já os chamados realistas, isto é, aqueles que vinham reagir contra as normas românticas, denunciavam claramente os sintomas de decadência; Flaubert, no romance; Renan, na crítica religiosa; Taine, na história e na teoria da literatura. Os naturalistas não fizeram mais do que aprofundar e sistematizar, caracterizando-se claramente, aqueles sintomas. A simples busca de suportes científicos, destinados a conferir grandeza ao que não a podia conter em si mesmo, correspondia a uma confissão de fraqueza: era preciso encontrar, fora da arte literária, algo suplementar, que a reforçasse, que lhe consolidasse a estrutura, como que lhe constituindo os fundamentos. A aceitação de que a realidade se resumia naquilo que era perceptível pelos sentidos existia já entre os realistas que preludiam o naturalismo. Taine e Renan gostavam de proclamar-se "positivistas", no sentido de apegados a coisas provadas, a coisas visíveis, a coisas facilmente perceptíveis, dotadas, aparentemente, de uma lógica, a lógica formal, evidentemente. Suprimindo os outros aspectos, os que escapavam à visão simplista e direta, pensavam resolvê-los. Daí a confiança absoluta, não na ciência, como parecia, mas no estágio a que a ciência havia ascendido, dotando-o de um sentido absoluto. As certezas eram tão cegas que Renan chegaria ao absurdo de proclamar: "Hoje o mundo não encerra mais mistérios". No fundo, isso revelava o sentido de eternidade que a burguesia pretendia para o seu domínio e para tudo o que ele caracterizava, particularmente no campo ideológico, contrapondo-se à ânsia de mudança que estava implícita nas lutas sociais e no avanço, tormentoso e reprimido embora, da classe trabalhadora.

[SODRÉ, Nelson Werneck. O naturlismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. p. 18]

["Os jogadores" (1863), de Honoré Daumier]

Duas notas sobre o trecho acima: 1)o vício nosso de uma raça que temos de falar cultista, nosso lado doutor, de falar balofo e roçagante, que graçou em meio às culteranias do nosso barroco meio cana-meio ouro, e que no momento nacionalista do romantismo tanto se ufanou de sua própria pompa verborrágica, certamente teve a resistência necessária para se estender de algumas formas na literatura realista, e ainda no acesso naturalista (ou seja, a "monumentalidade retórica" não deixou de existir com a chegada do naturalismo); 2) o avanço da classe trabalhadora, ao menos em termos de espaço conquistado no campo da representação literária, só ganha efetivas condições de existência com o surto industrial de São Paulo, alimentado pela importação de mão de obra vindo do velho continente...

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