12.12.11

enquanto não chegam as férias...

     
     A preguiça não é um mito, é um dado fundamental e quase natural da situação escolar. Por quê? Porque a escola é uma estrutura de coação e a preguiça é um meio, para o aluno, de agir sobre essa coação. A aula possui fatalmente uma força de repressão, quanto mais não seja porque aí se ensinam coisas de que o adolescente não tem forçosamente o desejo. A preguiça pode ser uma resposta a essa repressão, uma tática subjetiva para assumir o aborrecimento, para manifestar a consciência que dela tem e assim, de uma certa maneira, dialetizá-la. Essa resposta não é direta, não é uma contestação aberta, pois o aluno não tem meios para responder de frente às coações; é uma resposta desviada que evita a crise. Em outras palavras, a preguiça escolar tem um valor semântico, faz parte do código das aulas, da língua natural do aluno.
     Se observarmos a etimologia, nota-se que, em latim, piger, o adjetivo (já que preguiça vem de pigritia), quer dizer "lento". Esta é a faceta mais negativa, mais triste, da preguiça e consiste, então, em fazer as coisas, mas mal, contra a vontade, satisfazer a instituição dando-lhe uma resposta, mas uma resposta que se arrasta.
     Em grego, pelo contrário, preguiçoso diz-se argos, contração de a-ergos, pura e simplesmente "que não trabalha". O grego é muito mais franco que o latim.
     Já neste pequeno debate etimológico se perfila a possibilidade de uma certa filosofia da preguiça.
     Fui professor de liceu apenas um ano. Não é daí que formei uma idéia da preguiça escolar, mas sim da minha própria experiência de aluno. Volto a encontrar espontaneamente a preguiça escolar, mas a título de metáfora, na minha vida atual, que em princípio não tem nada a ver com a de um aluno: muitas vezes, diante das tarefas que mais me aborrecem, como o correio, manuscritos por serem lidos, resisto e digo para comigo mesmo que não consigo fazê-los, exatamente como o aluno que não é capaz de fazer os deveres. Trata-se, nesses momentos, de uma experiência dolorosa da preguiça, na medida em que é uma experiência dolorosa da vontade.

[Barthes, Roland. "Ousemos ser preguiçosos". Entrevista concedida a Christine Eff, publicada em Le Monde-Dimenche,
16 de setembro de 1979. In: _______. O grão da voz. Tradução Anamaria Skinner.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. p. 367-8]

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