19.11.12

Monteiro Lobato e a Academia

Monteiro Lobato inscreveu-se como candidato a vaga da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1925, não obtendo então a unanimidade exigida entre os acadêmicos. Posteriormente inscreveu-se mais uma vez, mas retirou sua candidatura antes do pleito. Não voltou jamais a pretender uma vaga entre os "imortais", mas estes pretenderam fazer Lobato vestir o fardão, indicando em 1944 seu nome para a vaga de Alcides Maya, falecido naquele mesmo ano. O autor de Urupês teria de cumprir ritual previsto em regimento, enviando ao presidente da ABL carta em que declararia aceitar a indicação e estar concorrendo efetivamente à vaga. A resposta de Lobato segue abaixo, em carta antológica para o conhecimento da personalidade artística do criador de Emília e de tantos personagens que povoam
o Sítio do Picapau Amarelo.




São Paulo, 11 de outubro de 1944.
Sr. Mucio Leão
D. D. Presidente da Academia Brasileira:

Acuso o recebimento da carta de 9 do corrente, no qual me comunica que em documento apresentado á Academia Brasileira, subscrito por dez acadêmicos, foi meu nome indicado para a substituição de Alcides Maya; e que nos termos do Regimento devo declarar que aceito a indicação e desejo concorrer á vaga.
Esse gesto de dez acadêmicos do mais alto valor, intelectual comoveu-me intensamente e a eles me escravizou. Vale-me por aclamação - honra com que jamais sonhei e está acima de qualquer merecimento que por acaso me atribuam. Mas o Regimento impõe a declaração do meu desejo de concorrer á vaga, e isso me embaraça. Já concorri ás eleições acadêmicas no bom tempo em que alguma vaidade subsistia dentro de mim. O perpassar dos anos curou-me e hoje só desejo o esquecimento de minha insignificante pessoa. Submeter-me, pois, ao Regimento seria infidelidade para comigo mesmo – duplicidade a que não me atrevo.
De forma nenhuma esta recusa significa desapreço á Academia, pequenino demais que sou para menosprezar tão alta instituição. No animo dos dez signatários não paire a menor suspeita de que qualquer motivo subalterno me leva a este passo. Insisto no ponto para que ninguém veja duplo sentido nas razões de meu gesto... Não é modéstia, pois não sou modesto; não é menosprezo, pois na Academia tenho grandes
amigos e nela vejo a fina flor da nossa intelectualidade.
É apenas coerência; lealdade para comigo mesmo e para com os próprios signatários; reconhecimento publico de que rebelde nasci e rebelde pretendo morrer. Pouco social que sou, a simples idéia de me ter feito acadêmico por agencia minha me desassossegaria, me perturbaria o doce nirvanismo ledo e cego em que caí e me é o clima favorável á idade.
Do fundo do coração agradeço a generosa iniciativa; e em especial agradeço a Cassiano Ricardo e Menotti o sincero empenho demonstrado em me darem tamanha prova de estima. Faço-me escravo de ambos. E a tudo atendendo considero-me eleito - mas numa nova situação de academicismo: o acadêmico de fora, sentadinho na porta do Petit Trianon com os olhos reverentes pousados no busto do fundador da casa e o nome dos dez signatários gravados indelevelmente em meu imo. Fico-me na soleira do vestíbulo. Mal comportado que sou, reconheço o meu lugar. O bom comportamento acadêmico lá de dentro me dá aflição...
Peço, senhor presidente, que transmita aos dez signatários os protestos da minha mais profunda gratidão e aceite um afetuoso abraço deste seu
Admirador e amigo.
            Monteiro Lobato.

Nenhum comentário: