23.4.13

O outro Brasil que vem aí

Eis o poema de Gilberto Freyre, escrito em 1926, que expressa aspectos emblemáticos da época, momento de definição do modernismo e de desdobramentos da ideologia modernista em regiões distantes do sudeste. Era o desenvolvimento de um modernismo nordestino, ainda que o poema que se lerá não tenha demarcado caráter regionalista. A dicção poética de Gilberto Freyre não deixa de ter uma marca de sua formação como cientista social. Podemos aproximar o poema de Freyre de poetas do modernismo cearense, como Jáder de Carvalho em algumas de suas composições (conferir o "Poema da Raça", primeiro poema do livro inaugural do modernismo cearense, O canto novo da raça). Vejamos as palavras do autor de Casa Grande & Senzala:

O Outro Brasil que vem aí

Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
de outro Brasil que vem aí
mais tropical
mais fraternal
mais brasileiro.
O mapa desse Brasil em vez das cores dos Estados
terá as cores das produções e dos trabalhos.
Os homens desse Brasil em vez das cores das três raças
terão as cores das profissões e regiões.
As mulheres do Brasil em vez das cores boreais
terão as cores variamente tropicais.
Todo brasileiro poderá dizer: é assim que eu quero o Brasil,
todo brasileiro e não apenas o bacharel ou o doutor
o preto, o pardo, o roxo e não apenas o branco e o semibranco.
Qualquer brasileiro poderá governar esse Brasil
lenhador
lavrador
pescador
vaqueiro
marinheiro
funileiro
carpinteiro
contanto que seja digno do governo do Brasil,
que tenha olhos para ver pelo Brasil,
ouvidos para ouvir pelo Brasil,
coragem de morrer pelo Brasil,
ânimo de viver pelo Brasil,
mãos para agir pelo Brasil,
mãos de escultor que saibam lidar com o barro forte e novo dos Brasis
mãos de engenheiro que lidem com ingresias e tratores europeus e
norte-americanos a serviço do Brasil
mãos sem anéis (que os anéis não deixam o homem criar nem trabalhar).
mãos livres
mãos criadoras
mãos fraternais de todas as cores
mãos desiguais que trabalham por um Brasil sem Azeredos,
sem Irineus
sem Maurícios de Lacerda.
Sem mãos de jogadores
nem de especuladores nem de mistificadores.
Mãos todas de trabalhadores,
pretas, brancas, pardas, roxas, morenas,
de artistas
de escritores
de operários
de lavradores
de pastores
de mães criando filhos
de pais ensinando meninos
de padres benzendo afilhados
de mestres guiando aprendizes
de irmãos ajudando irmãos mais moços
de lavadeiras lavando
de pedreiros edificando
de doutores curando
de cozinheiras cozinhando
de vaqueiros tirando leite de vacas chamadas comadres dos homens.
Mãos brasileiras
brancas, morenas, pretas, pardas, roxas
tropicais
sindicais
fraternais.
Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
desse Brasil que vem aí.


Um comentário:

Maria Rita disse...

Quando entro nesta sala,dá-me a impressão de ter voltado aos anos do inicio do modernismo! A sala repleta de alunos sábios (como posso dizer)regida por maestro culto. Cada assunto que surge encanta-me,mas com temor de não poder assimilar as informações. Sinto-me convivendo com personagens daquela notável época! Rita