3.5.14

Das crônicas de Mário de Andrade: Manifesto do Trianon

Em março de 1921, Mário de Andrade publicaria crônica em que relatava os acontecimentos do que ficou conhecido como Manifesto do Trianon -- lançamento da edição de luxo de As máscaras, prosa poética de Menotti del Picchia, em que também se lançaria publicamente o modernismo, que no ano seguinte consagraria a Semana de Arte Moderna. Os fatos aqui relatados seriam posteriormente evocados em versos de Pauliceia desvairada: "Bofetadas líricas no Trianon... Algodoal!..." (do poema "Inspiração", verso 7). Eis o trecho da crônica de Mário de Andrade.



Depois botaram falação. Muita coisa era digna de ser ouvida e anotada. O senhor Putteri, em nome da colônia italiana, espelhou ideias muito boas e muito sensatas. Sensatas demais até para serem lindas. O Oswaldo de Andrade falou também, representante e mandarim de uma geração nova, reveladora de muito brilho e alguma esperança. Era o clarim dos futuristas, gente "do domínio da patologia", como dizem e redigem alguns críticos passadistas, num afanoso rancor pelas auroras. João Miramar disse coisas lindas... O que implica dizer que não eram bem pensadas... E talvez seja verdade... Os homens do teu clã, como tu o chamaste, Oswaldo, meu Thiers, não pensam −, cismam, não refletem −, sentem. É uma estufa de poetas loucos, geração exótica, fantástica, arrepelada pelo consórcio com a garoa, a internacionalidade das nossas fábricas, com o convencionalismo ritual do meio. Neste manicômio pouco se pensa, dizem...  Mas quê de sensações, quê de comoções, quê de entusiasmos, quê de luares e fogaréus, onde a cada passo se multiplica e se transfigura a Beleza − essa bem querida Errabunda entre os sarçais da Perfeição!... A prova disso: o Oswaldo de Andrade falou com a sua voz que é um sacrilégio, pois imita o místico psalmodiar beneditino, e a sala aplaudiu. Todos estavam muitos satisfeitos porque se julgavam incorporados a "meia dúzia" de que falara o audaz. Se se lembrassem naquele cego momento de entusiasmo que pertencer a "meia dúzia" era cair "no domínio da patologia", talvez tirassem o corpo ao chuço do impropério... Como se a loucura não fosse defeito ou apanágio da humanidade inteira! Mas a vitória do clã está em ttodos terem querido fazer parte dele, não vendo o orgulho de solicitude em que se fortifica e acendra.

[Andrade, Mário de. De São Paulo (1920-1921) São Paulo: Senac, 2004, pp. 43-4]


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