4.6.13

João Luiz Lafetá explica o "Lundu do escritor difícil"


"[...] 'Lundu do Escritor Difícil' representa [...] uma afirmação de identidade (a expressão que o inicia é clara: 'Eu sou...'). Mas a identidade aqui colocada é ainda difícil, problemática, já que 'enquisila' muita gente. [...]
          Poderíamos descrever o movimento do poema, aliás, como um convite à penetração compreensiva no interior da linguagem: na primeira estrofe, o poeta pede que se tire a cortina (a máscara) para entrar luz na escurez; na segunda estrofe, propõe que se 'fale fala brasileira' para perceber a luz dentro da capoeira; na terceira estrofe, a máscara é metaforizada como uma mistura heterogênea dentro de um saco (angu-de-caroço), mistura que, no entanto, pode ser assimilada facilmente (como sopa de caruru), desde que se tenha a chave, isto é, que se proceda como um tatu, perfurando o buraco que é a vida; na quarta estrofe, a sequência sonora e semanticamente agressiva de um dos versos ('Bagé, piché, chué, ôh xavié') funciona como a vaia modernista contra a ignorância e serve de moldura para o argumento que exime o poeta da 'culpa', atirando-a sobre os ombros do 'outro', que se não sabe é porque não aprende; e, finalmente, na quinta estrofe, a máscara é o caçanje do escritor, oposto com malícia ao francês 'singe', e o convite ainda é de penetração ('Não carece vestir tanga/ Pra penetrar meu caçanje!').
          [...]

(Lafetá, João Luiz. Figurações da intimidade: imagens na poesia de Mário de Andrade. São Paulo: Martins Fontes, 1986)

Nenhum comentário: