22.6.13

Gol de Murilo Mendes!


         
          E ninguém se mexe, ninguém pega no ganzá e celébra esse outro gol do Brasil que é o Prêmio Internacional de Poesia Etna-Taormina, conferido a Murilo Mendes?
          Uma sobra dos aplausos distribuídos a Pelé, a Mequinho, às seleções esportivas brasileiras que levantam campeonatos no estrangeiro, devia ficar de reserva, para casos como este, em que também um poeta (ou até um poeta!) alcança para o seu país a notoriedade nacional em termos positivos. É hora de tremular bandeiras, minha gente; de buzinar, badalar, clarinar, tirar o chope mais geladinho, entoar o jingle, a canção báquica em louvor do juiz-forano esguio e ilustre cuja poesia sensibilizou juízes európicos cheios de critérios mais-que-abstratos, levando-os a reconhecer nestes brasis ainda tão pouco sabidos apesar de Santos Dumont, Vila-Lobos, Portinari, Jorge Amado, Niemeyer, uma capacidade de  invenção poética digna de emparelhar com a de um Dylan Thomas, um Supervielle, um Jorge Guillén, um Quasimodo ou Ungaretti, distinguidos antes pelo Etna-Taormina.
          [...]
          Ora, direis, o Murilo anda distante de nós uma fieira de mares e anos, e quem está longe, taca-se silêncio nele. Se estivessem aqui fazendo o corso das exposições de arte e antiarte, das noites uisqueiras de autógrafos, dos bares ao Sul plantados, isto sim, que o carregaríamos no andar, e havia de ser curtição por uma semana. Lá da via del Consolato, 6, em Roma, não dá. Pois no fundo nós nos celebramos é a nós mesmos, ao vitoriar os próximos que são nossas imagens refletidas. Cada um carrega seu espelho glorificante, sem braços para portar outros materiais, mesmo simbólicos...
Murilo Mendes por Guingnard, 1930.
          Engraçada, nossa capacidade de arquivar o companheiro, logo que ele dobra a esquina; se vai de jato ou de navio, então, desabam desabam séculos de esquecimento. A verdade é que Murilo levou na bagagem para a Itália (onde ensina Brasil, vende Brasil, mercadoria intelectual) sua alma brasileira, sua poesia brasileira cheia de novidades. não deixou esses bens aqui, feito botina velha. E agora os vê exaltados no reconhecimento de uma obra que é fruto saboroso da cultura brasileira confrontada com valores universais. Palmas para ele, que ele merece, mesmo não sendo artista de TV, para quem as palmas são obrigatórias e fazem parte do salário.

(Carlos Drummond de Andrade. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24/2/1972)

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