"Eu tinha 19 anos quando, pela mão de Otávio de Faria, fui pedir-lhe [a Augusto Frederico Schmidt] para distribuir meu primeiro livro de versos." É assim que Vinícius lembra de seu caminho inicial, trilhado ao lado do romancista Otávio de Faria, em texto escrito por ocasião da morte de Schmidt (em 1965). Vinícius foi em busca da edição de seu livro O caminho para a distância, o primeiro, que seria de fato publicado em 1933 pela Livraria Schmidt Editora. Otávio e Schmidt formavam então o primeiro escalão do pensamento católico de direita no Brasil, capitaneado por Tristão de Athayde desde 1928. Vinícius compartilhava então com o grupo católico o movimento de reação espiritualista na literatura, praticando uma poesia pessimista, mística e apegada a vagos princípios católicos. Um trecho do primeiro poema do livro, intitulado "Místico", dá uma ideia clara desses primeiros passos.
O ar está cheio de murmúrios misteriosos
E na névoa clara das coisas há um vago sentido de espiritualização…
Tudo está cheio de ruídos sonolentos
Que vêm do céu, que vêm do chão
E que esmagam o infinito do meu desespero.
[...]
No olhar aberto que eu ponho nas coisas do alto
Há todo um amor à divindade.
No coração aberto que eu tenho para as coisas do alto
Há todo um amor ao mundo.
No espírito que eu tenho embebido das coisas do alto
Há toda uma compreensão.
[...]
"Para Otávio [de Faria], que orientava meus primeiros passos literários, eu era [...] o continuador de Schmidt, o jovem acólito de sua missa poética", continua Vinícius em sua crônica fúnebre. O poeta Schmidt seria o responsável, no grupo, pela expressão lírica do pensamento católico que os unia. Uma pequena amostra da poesia de Schmidt, retirada de seu livro Pássaro Cego, de 1930, dá uma ideia do parentesco poético-existencial entre ele e o jovem Vinícius:
Positivamente, senti que a realidade me abandonava aos poucos.
Inutilmente um ruído de bonde se fez ouvir;
Inutilmente a ronda policial passou a cavalo, pela minha rua;
Inutilmente um passante assobiou uma canção qualquer.
É lógico que Vinícius de Moraes, o Poetinha, não se limitaria a esta tonalidade poética carregada de pessimismo, característica do lirismo de Schmidt. Mas o Poetinha só se libertaria desta solução espiritualista no final da década de 1930, a partir do livro Cinco Elegias, de 1943; ou seja, os livros iniciais (Forma e Exegese, de 1935; Ariana, a Mulher, de 1936; e Novos Poemas, de 1938; além, é claro, do primeiro, O caminho para a distância, de 1933) representam uma primeira fase do poeta, aliás bastante sintomática do período.
"Nós éramos todos 'de direita'. Torcíamos pela vitória do fascismo e líamos Nietzsche como quem vai morrer. 'Escreve com o teu sangue, e ver´s que teu sangue é espírito!' Ah, como amávamos essa palavra sangue... Ah, que conteúdo tinha para nós essa palavra espírito...", relembra ainda Vinícius, sem pudor de revelar os equívocos de sua juventude inicial. E vejamos como essas palavras ressoam na primeira poesia de Vinícius, através de um poema retirado ainda de O caminho para a distância:
Sacrifício
Num instante foi o sangue, o horror, a morte na lama do chão.
- Segue, disse a voz. E o homem seguiu, impávido
Pisando o sangue do chão, vibrando, na luta.
No ódio do monstro que vinha
Abatendo com o peito a miséria que vivia na terra
O homem sentiu a própria grandeza
E gritou que o heroísmo é das almas incompreendidas.
Ele avançou.
Com o fogo da luta no olhar ele avançou sozinho.
As únicas estrelas que restavam no céu
Desapareceram ofuscadas ao brilho fictício da lua.
O homem sozinho, abandonado na treva
Gritou que a treva é das almas traídas
E que o sacrifício é a luz que redime.
Ele avançou.
Sem temer ele olhou a morte que vinha
E viu na morte o sentido da vitória do Espírito.
No horror do choque tremendo
Aberto em feridas o peito
O homem gritou que a traição é da alma covarde
E que o forte que luta é como o raio que fere
E que deixa no espaço o estrondo da sua vinda.
No sangue e na lama
O corpo sem vida tombou.
Mas nos olhos do homem caído
Havia ainda a luz do sacrifício que redime
E no grande Espírito que adejava o mar e o monte
Mil vozes clamavam que a vitória do homem forte tombado na luta
Era o novo Evangelho para o homem da paz que lavra no campo.
"Depois cresci e vi que não era nada disso", continuaria Vinícius, que outro seria, muito diverso, deste inicial, perdido na distância do tempo... "Queria era namorar, conversar com os amigos, tomar sol na praia, empilhar pilhas de chope e escrever palavras simples", arremataria o Poetinha.
anotações sobre literatura, notas de aula, reflexos da cultura e a prática culta da vida
28.6.13
27.6.13
Aprendizado do Poetinha
Em "O Aprendiz de Poesia", crônica de 1953, Vinícius de Moraes fala de seu aprendizado como poeta, de maneira espontânea, afetiva e bem humorada. As referências são preciosas para o esboço de uma cartografia poética do autor de "O operário em construção". Confira o trecho abaixo.
Eu havia sempre laborado na arte da poesia, desde os mais verdes anos.
Às vezes, em meio aos brinquedos com os irmãos, na Ilha do Governador,
fugia e ia me ocultar no quarto, a folha de papel diante de mim.
Era tão estranho aquilo! Eu de nada sabia ainda, senão que tinha nove anos e Cocotá era o meu mundo, com sua praia de lodo, seu cajueiro e seus guaiamuns. Mas sabia vibrar em presença da folha branca que me pedia versos, viva como uma epiderme que pede carinho. Passavam-me os mais doces pensamentos, a imagem de minha mãe cantando, o rosto de Cacilda, minha namorada, da Escola Afrânio Peixoto, o beijo que Branca me dera - menina danada! - em plena Igreja São João Batista, quando as cabeças dos fiéis se haviam mansamente curvado para a bênção.
Mas de alguma coisa carecia, que me arrastava logo a antologias (muito obrigado, Fausto Barreto; muito obrigado, Carlos de Laet!) ante as quais morria de inveja. Ah, escrever um soneto como o "Anoitecer", de Raimundo Correia! Minha maior tentação era, no entanto, meu próprio pai, Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, poeta inédito, cujos manuscritos folheava deslumbrado, os mesmos que Bilac lera e cuja publicação aconselhara.
Lembro que havia entre eles um soneto que levava meu nome, feito quando eu ainda no ventre materno. Cada vez que o lia, as lágrimas corriam-me livremente - e quantas não enxuguei sobre o papel amarelado para que não borrassem a linha antiga... Partia, ato contínuo, para a folha branca que me esperava, virgem, a procurar um tema, uma frase, uma palavra que me desse para abrir as portas daquela cidade cobiçada, cujos rumores chegavam-me maravilhosamente acústicos.
Pus-me a imitar. Primeiro meu pai, mais à mão, menos preocupado com a glória literária, a que não dava grande crédito. Um dia, como um ladrão, levei comigo, enfiada por dentro da camisa de banho, uma longa pastoral em decassílabos, que fui mostrar a Célia, minha garota da Ilha, uma menina grande e mais velha, que se entretinha de mim.
- Que beleza! - disse-me ela pondo as mãos nas minhas. - Você quer dar ele para mim? Covarde, dei. Hoje a pastoral de meu pai anda por aí, não sei onde, talvez na gaveta de uma cômoda no Encantado, onde morava quando vinha ao Rio; talvez em Miami, Acapulco ou Pago-Pago, para onde a tenha levado sua imensa tontice.
*
Era tão estranho aquilo! Eu de nada sabia ainda, senão que tinha nove anos e Cocotá era o meu mundo, com sua praia de lodo, seu cajueiro e seus guaiamuns. Mas sabia vibrar em presença da folha branca que me pedia versos, viva como uma epiderme que pede carinho. Passavam-me os mais doces pensamentos, a imagem de minha mãe cantando, o rosto de Cacilda, minha namorada, da Escola Afrânio Peixoto, o beijo que Branca me dera - menina danada! - em plena Igreja São João Batista, quando as cabeças dos fiéis se haviam mansamente curvado para a bênção.
Mas de alguma coisa carecia, que me arrastava logo a antologias (muito obrigado, Fausto Barreto; muito obrigado, Carlos de Laet!) ante as quais morria de inveja. Ah, escrever um soneto como o "Anoitecer", de Raimundo Correia! Minha maior tentação era, no entanto, meu próprio pai, Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, poeta inédito, cujos manuscritos folheava deslumbrado, os mesmos que Bilac lera e cuja publicação aconselhara.
Lembro que havia entre eles um soneto que levava meu nome, feito quando eu ainda no ventre materno. Cada vez que o lia, as lágrimas corriam-me livremente - e quantas não enxuguei sobre o papel amarelado para que não borrassem a linha antiga... Partia, ato contínuo, para a folha branca que me esperava, virgem, a procurar um tema, uma frase, uma palavra que me desse para abrir as portas daquela cidade cobiçada, cujos rumores chegavam-me maravilhosamente acústicos.
Pus-me a imitar. Primeiro meu pai, mais à mão, menos preocupado com a glória literária, a que não dava grande crédito. Um dia, como um ladrão, levei comigo, enfiada por dentro da camisa de banho, uma longa pastoral em decassílabos, que fui mostrar a Célia, minha garota da Ilha, uma menina grande e mais velha, que se entretinha de mim.
- Que beleza! - disse-me ela pondo as mãos nas minhas. - Você quer dar ele para mim? Covarde, dei. Hoje a pastoral de meu pai anda por aí, não sei onde, talvez na gaveta de uma cômoda no Encantado, onde morava quando vinha ao Rio; talvez em Miami, Acapulco ou Pago-Pago, para onde a tenha levado sua imensa tontice.
*
Muito plagiei, a princípio. Primeiro
timidamente, depois como um possesso. Castro Alves, companheiro de
noitadas de meu tio-avô Mello Moraes Filho, emprestou-me sua revolta
condoreira. Olavo Bilac cedeu-me o diamante com que cortava os duros
cristais de sua poesia. Guilherme de Almeida presenteou-me com seu
geraldysmo, sua reticência ilustre, seu sorriso imóvel e seus punhos de
renda. Menotti deu-me seu lorgnon, seus crachás, seu jucamulatismo.
Descia de Antero a Júlio Dantas, perpetrando ceias, desvendando seios,
ai de mim. Abria a antologia à toa e esperava. Casemiro? Casemiro! E
assim se foi povoando de negros caracteres impecáveis um grande livro de
capa preta, rubricado "Prefeitura do Distrito Federal", sobre que,
tenho a impressão, um funcionário qualquer, meu parente, havia feito mão
baixa. Mas que importava? Era um livro belo, um caderno de perfeito
almaço, da grossura da minha ambição de criar poesia, vasto bastante
para o menino que queria voar com asas roubadas, essas que tão
cuidadosamente punha nas omoplatas para o exercício noturno dentro de
seu quarto dentro da Ilha dentro da baía dentro da cidade dentro do país
dentro do mar dentro do mundo.
Um dia conheci um poeta como mandam as regras, com livro publicado e tudo o mais. Chamava-se João Lyra Filho, era moço nortista, apaixonado, e recitava Augusto dos Anjos por trás de uma cadeira. Augusto dos Anjos! Como me chocava aquela ousadia de palavras, a misturar a miséria ao sublime, o esterco à estrela, a podridão do túmulo à beleza da vida! Preferia Adelmar, para quem, naquele tempo, voltavam-se os olhos fiéis de João Lyra Filho como os do sacristão para o padre.
Certa vez, depois de uma noite de angústia, resolvi mostrar-lhe meus versos. Reunira-os sob o nome de "Foederis arca". Mas o poeta não gostou. Disse-me de modo brando que desistisse daquilo. Falou-me da predestinação poética, que eu não tinha. Meu negócio devia ser outro. Faltava-me aquele imponderável que os amantes do belo representam esfregando sutilmente a polpa do polegar contra a dos outros dedos, mas não como para indicar o vil metal: mais devagar, como a destilar a própria substância imanente da arte.
O poetinha aprendiz desistiu? Coisíssima nenhuma! Prossegui firme, inabalável, entre alexandrinos, decassílabos e redondilhas, a perpetrar odes, sonetos, elegias, éclogas, cromos e acrósticos que dava fielmente às namoradas que fui semeando, da Gávea a Sabará.
Um dia conheci um poeta como mandam as regras, com livro publicado e tudo o mais. Chamava-se João Lyra Filho, era moço nortista, apaixonado, e recitava Augusto dos Anjos por trás de uma cadeira. Augusto dos Anjos! Como me chocava aquela ousadia de palavras, a misturar a miséria ao sublime, o esterco à estrela, a podridão do túmulo à beleza da vida! Preferia Adelmar, para quem, naquele tempo, voltavam-se os olhos fiéis de João Lyra Filho como os do sacristão para o padre.
Certa vez, depois de uma noite de angústia, resolvi mostrar-lhe meus versos. Reunira-os sob o nome de "Foederis arca". Mas o poeta não gostou. Disse-me de modo brando que desistisse daquilo. Falou-me da predestinação poética, que eu não tinha. Meu negócio devia ser outro. Faltava-me aquele imponderável que os amantes do belo representam esfregando sutilmente a polpa do polegar contra a dos outros dedos, mas não como para indicar o vil metal: mais devagar, como a destilar a própria substância imanente da arte.
O poetinha aprendiz desistiu? Coisíssima nenhuma! Prossegui firme, inabalável, entre alexandrinos, decassílabos e redondilhas, a perpetrar odes, sonetos, elegias, éclogas, cromos e acrósticos que dava fielmente às namoradas que fui semeando, da Gávea a Sabará.
Era o martírio da poesia, em todo o meu desvario.
24.6.13
Fotomontagem e colagem poética em Jorge de Lima
O título desta postagem é antes título de artigo de Teodoro Rennó Assunção, publicado em página do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura da UFMG. O texto de Teodoro estabelece relações entre a poesia de Jorge de Lima e suas fotomontagens, filão artístico menos conhecido do poeta alagoano mas importante para uma compreensão do conjunto de sua produção estética.
Abaixo as imagens produzidas por Jorge de Lima, que foram publicadas em um livro intitulado A pintura em pânico, e que podem ajudar na leitura de alguns dos seus textos poéticos, como é o caso de "O grande desastre aéreo de ontem", referido e analisado por Teodoro Rennó Assunção.
Abaixo as imagens produzidas por Jorge de Lima, que foram publicadas em um livro intitulado A pintura em pânico, e que podem ajudar na leitura de alguns dos seus textos poéticos, como é o caso de "O grande desastre aéreo de ontem", referido e analisado por Teodoro Rennó Assunção.
A criação pelo vento. |
A ideia fixa. |
A invenção da polícia. |
A poesia abandona a ciência à sua própria sorte. |
A poesia de uns depende da asfixia de outros. |
A poesia em pânico. |
O poeta trabalha. |
22.6.13
Gol de Murilo Mendes!
E ninguém se mexe, ninguém pega no ganzá e celébra esse outro gol do Brasil que é o Prêmio Internacional de Poesia Etna-Taormina, conferido a Murilo Mendes?
Uma sobra dos aplausos distribuídos a Pelé, a Mequinho, às seleções esportivas brasileiras que levantam campeonatos no estrangeiro, devia ficar de reserva, para casos como este, em que também um poeta (ou até um poeta!) alcança para o seu país a notoriedade nacional em termos positivos. É hora de tremular bandeiras, minha gente; de buzinar, badalar, clarinar, tirar o chope mais geladinho, entoar o jingle, a canção báquica em louvor do juiz-forano esguio e ilustre cuja poesia sensibilizou juízes európicos cheios de critérios mais-que-abstratos, levando-os a reconhecer nestes brasis ainda tão pouco sabidos apesar de Santos Dumont, Vila-Lobos, Portinari, Jorge Amado, Niemeyer, uma capacidade de invenção poética digna de emparelhar com a de um Dylan Thomas, um Supervielle, um Jorge Guillén, um Quasimodo ou Ungaretti, distinguidos antes pelo Etna-Taormina.
[...]
Ora, direis, o Murilo anda distante de nós uma fieira de mares e anos, e quem está longe, taca-se silêncio nele. Se estivessem aqui fazendo o corso das exposições de arte e antiarte, das noites uisqueiras de autógrafos, dos bares ao Sul plantados, isto sim, que o carregaríamos no andar, e havia de ser curtição por uma semana. Lá da via del Consolato, 6, em Roma, não dá. Pois no fundo nós nos celebramos é a nós mesmos, ao vitoriar os próximos que são nossas imagens refletidas. Cada um carrega seu espelho glorificante, sem braços para portar outros materiais, mesmo simbólicos...
Murilo Mendes por Guingnard, 1930. |
Engraçada, nossa capacidade de arquivar o companheiro, logo que ele dobra a esquina; se vai de jato ou de navio, então, desabam desabam séculos de esquecimento. A verdade é que Murilo levou na bagagem para a Itália (onde ensina Brasil, vende Brasil, mercadoria intelectual) sua alma brasileira, sua poesia brasileira cheia de novidades. não deixou esses bens aqui, feito botina velha. E agora os vê exaltados no reconhecimento de uma obra que é fruto saboroso da cultura brasileira confrontada com valores universais. Palmas para ele, que ele merece, mesmo não sendo artista de TV, para quem as palmas são obrigatórias e fazem parte do salário.
(Carlos Drummond de Andrade. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24/2/1972)
Ismael Nery e Murilo Mendes
Em poucos anos
percorrestes os séculos
Que medeiam entre
o Gênese e o Apocalipse.
O germe da poesia,
essencial ao teu ser,
Se prolongará
através das gerações.
Eras sábio,
vidente, harmonioso, forte:
Mas atrás de ti,
que visavas o eterno,
Se erguiam o tempo
e as muralhas da China.
Morres lúcido aos
trinta e três anos,
Quando se fecha
uma idade e se abre outra.
Morres porque nada
mais tens que aprender.
(trecho de
“Ismal Nery”, poema de Murilo Mendes, publicado em Tempo e
eternidade, livro de 1935)
Autorretrato, de Ismael Nery. |
Baia de Guanabara, por Ismael Nery. |
Murilo Mendes a frente de tela de Ismael Nery. |
Autorretrato, de Ismael Nery. |
Murilo Mendes e Ismael Nery. |
16.6.13
"Especulação em torno da palavra homem": introdução a Drummond
Sandra Corveloni recita poema de Drummond, em produção do Instituto Moreira Salles.
9.6.13
A Antropofagia de Oswald de Andrade, segundo Eduardo Viveiros de Castro
"Viver é pensar: isso vale para todos os viventes, sejam eles amebas, árvores, tigres ou filósofos. Mas não é isso, justamente, o que pensam (e vivem) os povos com quem vivemos e sobre os quais pensamos? Não é isso, afinal, o que afirma o perspectivismo ameríndio, a saber, que todo vivente é um pensante? Se Descartes nos ensinou, a nós modernos, a dizer 'eu penso, logo existo' -- a dizer, portanto, que a única vida ou existência que consigo pensar como indubitável é a minha própria --, o perspectivismo ameríndio começa pela afirmação duplamente inversa: 'o outro existe, logo pensa'. E se esse que existe é outro, então seu pensamento é necessariamente outro que o meu. Quem sabe até deva concluir que, se penso, então também sou um outro. Pois só o outro pensa, só é interessante o pensamento enquanto potência de alteridade. O que seria uma boa definição da antropologia. E também uma boa definição da antropofagia, no sentido que este termo recebeu em certo alto momento do pensamento brasileiro, aquele representado pela genial e enigmática figura de Oswald de Andrade: 'Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago." Lei do antropólogo."
(Castro, Eduardo Viveiros de. "O perspectivismo é a retomada da antropofagia oswaldiana em novos termos". Entrevista a Luísa Elvira Belaunde. In: Sztutman, Renato (Org.). Eduardo Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008, pp. 117-8)
7.6.13
Pneumotórax, na voz do próprio poeta
Reparem na voz de Manuel Bandeira, que parece matreiramente zombar do diagnóstico que recebeu por volta dos 20 anos, de médico que o condenava à morte prematura, que aliás é claro e inda bem não aconteceu. "A única coisa a fazer é tocar um tango argentino."
4.6.13
João Luiz Lafetá explica o "Lundu do escritor difícil"
"[...] 'Lundu do Escritor Difícil' representa [...] uma afirmação de identidade (a expressão que o inicia é clara: 'Eu sou...'). Mas a identidade aqui colocada é ainda difícil, problemática, já que 'enquisila' muita gente. [...]
Poderíamos descrever o movimento do poema, aliás, como um convite à penetração compreensiva no interior da linguagem: na primeira estrofe, o poeta pede que se tire a cortina (a máscara) para entrar luz na escurez; na segunda estrofe, propõe que se 'fale fala brasileira' para perceber a luz dentro da capoeira; na terceira estrofe, a máscara é metaforizada como uma mistura heterogênea dentro de um saco (angu-de-caroço), mistura que, no entanto, pode ser assimilada facilmente (como sopa de caruru), desde que se tenha a chave, isto é, que se proceda como um tatu, perfurando o buraco que é a vida; na quarta estrofe, a sequência sonora e semanticamente agressiva de um dos versos ('Bagé, piché, chué, ôh xavié') funciona como a vaia modernista contra a ignorância e serve de moldura para o argumento que exime o poeta da 'culpa', atirando-a sobre os ombros do 'outro', que se não sabe é porque não aprende; e, finalmente, na quinta estrofe, a máscara é o caçanje do escritor, oposto com malícia ao francês 'singe', e o convite ainda é de penetração ('Não carece vestir tanga/ Pra penetrar meu caçanje!').
[...]
(Lafetá, João Luiz. Figurações da intimidade: imagens na poesia de Mário de Andrade. São Paulo: Martins Fontes, 1986)
3.6.13
Resposta a Vinícius, de Manuel Bandeira
Dias atrás postei neste picadeiro o poema "Saudade de Manuel Bandeira", de Vinícius de Moraes. O poema de Vinícius foi escrito enquanto este imenso "poeta menor" que foi Bandeira estava vivo, ou seja, não era o caso de uma saudade definitiva e incurável, das que sentimos das pessoas queridas que se foram de nossa precária convivência. Aliás, o poema de Vinícius foi postado a propósito de uma fotografia em que comparecem os dois poetas aqui relacionados, acompanhados também por Tom Jobim e Chico Buarque, na qual o "poetinha" olha enternecido para seu "áspero irmão": o olhar de Vinícius parece expressar a sede de uma saudade, que sorve do encontro tudo que emana da figura querida então à sua frente. Imagem puxa palavra, que puxa outra... Pois vejamos agora o que Bandeira responde a Vinícius, depois de sua "Saudade de Manuel Bandeira":
Resposta a Vinícius
Poeta sou; pai, pouco; irmão, mais.
Lúcido, sim; eleito, não.
E bem triste de tantos ais
Que me enchem a imaginação.
Com que sonho? Não sei bem não.
Talvez com me bastar, feliz
– Ah feliz como jamais fui! –
Arrancando do coração
– Arrancando pela raiz –
Este anseio infinito e vão
De possuir o que me possui
(in: Bandeira, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 201)
1.6.13
Como e porque somos supersticiosos
Mário de Andrade entre crianças. |
"A enormidade de nossa superstição, o uso e abuso quotidiano dos seus processos, a violência incontestável da magia branca e negra de proveniência ameríndia e africana, o uso das sibilas de todas as vestimentas, provam a falta de catolicismo verdadeiro tanto na burguesia quanto na massa popular."
("Tristão de Ataíde", ensaio de Mário de Andrade,
in: Aspectos da literatura brasileira, p. 21)
in: Aspectos da literatura brasileira, p. 21)
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