15.3.14

Retratos do Século XIX: família Azevedo

D. Emília Amália de Azevedo com seus filhos Aluísio e Arthur, por volta de 1870.


Minha querida Mãe.
É sempre com o mais vivo prazer que recebo suas cartas, mas confesso-lhe que pela última, datada de 28 do mês passado, não me foi muito grata a impressão produzida por suas estranhas perguntas a respeito de minha vida e se eu ainda vivia em casa que o Arthur deixara aqui alugada. Ora essa! Eu nada tenho com o Arthur. [...] A viagem do Arthur para a Europa não alterou em coisa nenhuma minha vida, a não ser na saudade que eu sinto dele e de minha cunhada, que ultimamente era uma verdadeira irmã que eu tinha aqui. [...] Passo aqui uma bela vida. Não dependo de ninguém! Absolutamente de ninguém! Nem do Governo, nem do comércio, nem da lavoura. Só dependo de mim mesmo. [...] Desgraçada terra é esta nossa que, quando um homem não é empregado público, nem comerciante, nem traficante de negros ou cousa que o valha, não pode ser considerado como homem independente. Irra com todos os diabos. Basta que leiam o que se publica a meu respeito; basta que reflitam por um instante que eu sou o único romancista que trabalha todos os dias no Rio de Janeiro, para se poder julgar que tenho uma posição, um nome, uma individualidade. Aqui sou o único homem da geração moderna que nunca está doente, que nunca falha e trabalha para três ou quatro jornais ao mesmo tempo. E ainda se me pergunta como vivo! Vivo do trabalho. Não escrevo circulares e ofícios numa Secretaria, não meço chitas num balcão, mas arranco folhetins da cabeça, imaginando, criando, enriquecendo o pobre pecúlio de livros nacionais [...] Enquanto Vossa Mercê pergunta-me como eu consigo viver, e enquanto essas nulidades atenienses talvez cogitem o segredo de minha subsistência, aqui todo mundo que conhece o Rio aponta-me como um exemplo de coragem e de futuro. Em minha casa reúnem-se não os primeiros políticos do Brasil, mas os primeiros espíritos. Aqui aparecem o Machado de Assis, o França Júnior, o Almeida Reis, Victor Meireles, Cardoso de Meneses, Urbano Duarte, Alencar Mendes, Ferro Cardoso, Patrocínio, etc.
[trecho de carta de Aluísio Azevedo endereçada à sua Mãe, D. Emília, de 12 de fevereiro de 1883]

2 comentários:

claudio rodrigues disse...

que carta forte, heim! de um vigor. revela o gênio do aluísio e sua não aceitação da vida burocrática - o costume da época. suspeito que esse termo "nulidades atenienses" se refira a são luís, então proclamada de Atenas Brasileira, que não passava de uma província cheia de ressentimento e preconceito.

Marcelo Magalhães disse...

é a essa Atenas que ele se refere mesmo, né? como eu pensei. pois é, achei engraçado a consideração sobre o trabalho que a gente percebe: acho que meio aristocrático meio burguês, como era de se esperar em país que não realizou jamais algo parecido com uma revolução burguesa.. aliás, houve acaso alguma revolução neste bravio país? hein?