26.2.11

A tragédia de fazer ironias



Verdadeiro inventário de uma geração que findava, bússola de uma produção literária que começava. Assim podemos caracterizar O País do Carnaval, livro de estreia da profícua produção literária de Jorge Amado. A história de Paulo Rigger, o protagonista do romance, é o símbolo das "atitudes céticas" que supostamente haviam marcado a geração ativa durante os anos de 1920 no Brasil. A geração de Jorge Amado, de acordo com sua próprias palavras, chegava para combater as "atitudes céticas". Era o "projeto estético" que apresentava sinais de exaustão, deixando espaço para o chamado "projeto ideológico", que marcou o segundo momento do Modernismo (segundo a proposta interpretativa de João Luiz Lafetá, no seu importante estudo 1930: a crítica e o modernismo). O País do Carnaval é romance escrito pelo jovem Amado, então com 18 anos -- e talvez devamos pesar este dado na consideração dos defeitos e qualidades da narrativa. Como certa aparência contraditória que surge logo na "Explicação" posta antes da história de Rigger: Amado parece combater as "atitudes cética" com outra atitude cética, acreditando por exemplo que a "grandiosidade da natureza" e a "confusão de raças e sentimentos" que caracterizam a "formação do povo" no Brasil nos condenam à condição de palhaços, "de uma pequenez clássica". Vejamos o que Amado explica em sua "Explicação".






Diante da grandiosidade da natureza, o brasileiro pensou que isto aqui fosse circo. E virou palhaço...
Este livro pretende contar a história de um homem que, tendo vivido na velha França muito tempo, voltou à Pátria disposto a encontrar o sentido da sua vida.
Conta a sua luta, o seu fracasso. Conta a luta dos seus amigos, rapazes de talento, que falharam na existência.
Este livro é um grito. Quase um pedido de socorro. É toda uma geração insatisfeita, que procura a sua finalidade.
Nós já começamos a luta contra a dúvida. A geração que chega combate as atitudes céticas.
Este livro narra a vida de homens céticos que, entretanto, procuram uma finalidade. Tentaram alcançá-la. Uns no amor, outros na religião. O fracasso das tentativas não é prova da sua inutilidade.
Este livro pretende ser humano. Por mais que pareçam artificiais os seus heróis, eles vivem. Porque, procurando bem, até homens inteligentes se encontram no Brasil.
Mais do que humano, este livro tem veleidades de humanitário.
Cristo disse que se devia amar o próximo.
Acho que se deve ter amor aos semelhantes e uma grande indiferença feita de desprezo e de perdão, aos que não nos são semelhantes...
Eu não tenho veleidades literárias. Não pretendo fazer público com este romance. Não sou pornógrafo, nem jornalista de sensação.
Este livro tem um cenário triste: o Brasil. Natureza grandiosa que faz o homem de uma pequenez clássica.
A sátira, no Brasil, só a praticam os papagaios.
No Norte, terra da promissão, há uma grande confusão de raças e de sentimentos. É a formação do povo. E dessa confusão está saindo uma raça doente e indolente. E todo dia a natureza surra, com o chicote do sol, o nortista tragicamente vencido.
Este livro é como o Brasil de hoje. Sem um princípio filosófico, sem se bater por um partido. Nem comunista, nem fascista. Nem materialista, nem espiritualista. Dirão talvez que assim fiz para agradar toda crítica, por mais diverso que fosse o seu modo de pensar. Mas afirmo que tal não se deu. Não me preocupa o que diga do meu livro a crítica. Este romance relata apenas a vida de homens que seguiram os mais diversos caminhos em busca do sentido da existência. Não posso bater-me por uma causa. Eu ainda sou um que procura...
Eu quisera intitular este romance de – Os homens que eram infelizes sem saber porquê, – Mas a gente tem vergonha de certas confissões. E fica-se vivendo a tragédia de fazer ironias.
Os defeitos deste livro são a minha maior honra.

Jorge Amado
Dezembro de 1930.

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