17.1.11

evasão "para o mundo"



Procurando afinar a sintonia com a presença de Oswald de Andrade no percurso que o Modernismo realizou, fui ler algumas páginas de Manuel Bandeira. Aliás, pensava eu no decorrer da leitura quão esclarecedora é a aproximação entre produções literárias diversas, produzidas em tempos próximos: fica-se conhecendo a distância que há entre um e outro, as relações que escolheram desenvolver etc., além de passarmos a conhecer um pouco mais do poeta que se utilizou como referência aproximativa.
O que eu folheava de Bandeira (que Mário de Andrade chamou de o “São João Batista do Modernismo”) era sua Poesia completa e prosa, editada pela Aguilar (reimpressão da 4ª edição, 1983), na sua conhecida apresentação em papel bíblia (que apenas na semana passada pude adquirir, e ainda agora estou maravilhado com a aquisição). E comecei por conferir a introdução geral, que trazia um estudo de Sérgio Buarque de Holanda sobre a obra do poeta pernambucano de “Vou-me embora pra Pasárgada”. O texto de Sérgio (intitulado "Trajetória de uma poesia") é, como se poderia esperar, penetrante e informativo, e a mim trouxe esclarecimento sobre um aspecto crucial da poesia de Bandeira: a “evasão”. Sempre achei desfalcada a explicação dos manuais sobre este tema em Bandeira, acerca do qual o crítico e historiador paulista afirma andar “intimamente associada à sua [de Bandeira] maneira peculiar de exprimir-se e que, no caso, vale antes por um ato de conquista e de superação, do que propriamente de abdicação diante da vida” (p. 19). Imediatamente a seguir, Sérgio Buarque continua a tratar do tema, exercitando agora, também ele, a aproximação de figuras literárias díspares:

“Também não acredito, como o acreditou Mário de Andrade, num dos seus admiráveis ensaios críticos, que represente simplesmente uma cristalização superior do vou-me-emborismo popular e nacional, cujos traços podem ser discernidos através de nossa literatura folclórica. Em Bandeira ela tem sentido profundamente pessoal para se relacionar a uma atitude suscetível de tão extraordinária generalização. Seria talvez preferível ir buscar seu paralelo em exemplos singulares que pode proporcionar de preferência a literatura culta. E ocorre-me, no momento, o de uma peça das mais célebres de um grande poeta que viveu ainda em nossos dias: William Butler Yeats.
Todavia a aproximação, mesmo aqui, não pode ser feita sem extrema cautela. Em Sailing to Byzantium, o poeta, resignado à própria velhice, busca um mundo distante, onde os monumentos sem idade do intelecto não foram e não poderiam ser contaminados pela febril agitação ou pela música sensual das gerações presentes, e onde a própria vida se desgarra das formas naturais para assumir a feitura das criações dos artesãos da Grécia e assegurar a vigília do Imperdor:
[...]
Bizâncio é sagrado asilo, ‘artifício de eternidade’, inacessível aos tumultos vãos da humanidade mortal. Pasárgada é, ao contrário, a própria vida cotidiana e corrente idealizada de longe; a vida é vista de dentro de uma prisão ou convento.”


É o que o crítico chama, utilizando expressões do poeta, de evasão “para o mundo” – o que aliás condiz com o lirismo sórdido do poeta de A cinza das horas.

[o retrato de manuel bandeira que ilustra esta postagem é da lavra de candido portinari]

Um comentário:

Stefanie disse...

Interessante ele usar o nome de São João Batista, que na Bíblia é aquele que veio antes do Messias para abrir as veredas e preparar os caminhos. Boa relação!