31.10.13

dia do Saci e do Drummond

Hoje, dia 31 de outubro, dia D de Drummond, data de nascimento do poeta de Itabira e de tantos tempos presentes, e do Saci, personagem fundamental de nossa cultura. Para festejar lendo, vale conferir o texto a seguir, crônica escrita por Drummond em 1972, falando de Tom Jobim e matentapereira, e visagem,
e peitica, e muito mais. Evoé!




Tom e o pássaro


          Pássaro feliz é (devia ser) o matintapereira. Pois não ganhou canção de Valdemar Henrique, na voz de Mara? Mara, irmã do compositor, saudade no ouvido da gente, mas podia também ser Nara Leão. Como se não bastasse, é gratificado agora com outra canção, e de quem? Do muito ilustre e raro maestro Antônio Carlos Jobim, letra e música, esta em parceria com Paulinho Pinheiro, já divulgada pelo José Carlos Oliveira. É a glória.
         O mal-agradecido nem se dá conta disto, sempre naquele assobio estridente, monótono, embruxado, no meio da noite brasileira. E se a gente vai ver, seguindo o rastro sonoro, cadê passarinho? O diabo sumiu. Diabo? Não é à-toa que lhe chamam também saci. Tom pegou-lhe bem o jeito:
Quero ver, olerê olará,
você me pegar.
          Com a diferença de que saci é alegre, suas peraltices revelam o fundo lúdico do negrinho, que nunca chegam às tenebrosas maquinações: ele apaga fogo na cozinha, espalha boiada, assusta gente nos caminhos. E ri. Até a perna-só, de que se serve, é gozada; o cachimbo, idem. Já o saci-voador é triste, agourento, não se permite o bom humor negro. Pia soturno e some. A sabedoria do povo aconselha que se diga assim para ele, no entrevoo do sumiço:
          - Escuta aqui, amizade, passa lá em casa amanhã para apanhar tabaco, tá?
          Dia seguinte, já sabe: quem bater primeiro à porta da casa é o pobre homem ou mulher que à noite se converte em passarinho, e de manhã volta à condição humana, em busca de fumo para a cachimbada. Nunca mais ninguém quer saber dele ou dela. Pudera: virou matintapereira.
          Dizem, não sei se é mentira, mas na Amazônia, matinta quando pia, você deve cobrir as mãos com pano preto, de outra cor não seve; do contrário, as unhas emitem uma espécie de foguinho que espanta a visagem anunciada pelo pio. Cobrindo-as, você vê a coisa estranha, que no Maranhão é a velha Caapora, mas isso depende de ter coragem para ver coisas estranhas. O melhor é não ver nada, não ir atrás do matinta. Agora então, com a abertura da Transamazônica, sabe-se lá em que toco de pau ele se meteu?
           É tão safado que se disfarça sob os codinomes mais diversos e para cada ouvido oferece uma onomatopeia, em cada mato do Brasil. Carlinhos Oliveira dá-lhe sete nomes: além de matintapereira e da variante matita, informa que ele responde (ou antes, não responde) por fem-fem, sem-fim, peixe-frito, tempo-quente, saci. Valendo-me de Flávia da Silveira Lobo, doutora em bichos nacionais, posso acrescentar os seguintes: crispim, secofico, peito-ferido, peitica, piririguá, sede-sede, roceiro-planta. Antenor Nascentes grafa matim-taperê, segundo a lição de Basílio de Magalhães: elo na corrente de transformações populares, que vai de saci-pererê a matinta-pereira, nome quase de gente, e gente que se saúda na rua: Oi, Matinta. Falta só chamá-lo de Matinta Pereira da Silva, como lembrou Barbosa Rodrigues na Poranduba. De qualquer maneira, dispõe de tantas identidades que, no dia em que os bichos pagarem Imposto de Renda, é bem capaz de escapar do CPF - a menos que lhe preguem não uma, porém, 40 etiquetas.
          A canção de Tom devia enfunar de orgulho o papo de matinta. Não ouvi a música, mas se é de Tom é bom, garante Drummond. A letra, um esvoaçar de nomes e formas em torno de João (Guimarães Rosa), que se não era bruxo não sei o que fosse, talvez a própria bruxaria em túnica de linguagem. Há no poema um jogo de esconde-esconde que vai mostrando o sem-fim e o sem-para das coisas, das pessoas, dos pássaros. Tudo voa nas asa de matinta, que não é mais ave sinistra, é o gira-gira do mundo, a ave que ninguém pega, o sonho que ninguém acaba de sonhar. Puxa, matinta, mas você, hem? Nem reparou que o nosso Tom, olerê olará, voa mais alto e mais longe, e ninguém o segura mesmo.



Texto de Carlos Drummond de Andrade
Jornal do Brasil 
22 de abril de 1972

28.10.13

dia do servidor público





Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras –
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança.

[...]

Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.



[transcrição de manuscrito de João Cabral de Melo Neto, 29 de setembro de 1943
In Cadernos de Literatura Brasileira, do Instituto Moreira Salles]


22.10.13

Raisonneur no teatro brasileiro

Eis um trecho do verbete "Raisonneur", do Dicionário do Teatro Brasileiro: temas, formas e conceitos. Este verbete é de autoria de João Roberto Faria.


Ilustração de Angelo Agostini.
Palavra francesa que designa um tipo de personagem que representa, no interior de uma peça, o ponto de vista do autor sobre um determinado assunto ou, de maneira mais abrangente, o ponto de vista da sociedade. De um modo geral, é uma personagem que acompanha o destino do protagonista – ou mesmo de uma personagem secundária – para comentar suas escolhas e atitudes, terminando sempre por emitir algum tipo de comentário edificante ou críticas e fundo moralizador. Como observa Patrice PAVIS, “esse tipo de personagem, herdeiro do coro trágico grego, aparece sobretudo na época clássica, no teatro de tese e na forma de peças didáticas”.
No teatro brasileiro, a presença do personagem raisonneur foi comum nos chamados dramas de casaca ou comedias realistas, principalmente entre os anos 1855 e 1865. [...] O melhor exemplo de personagem raisonneur brasileiro é Meneses, o jornalista de Asas de um Anjo, de José de ALENCAR. [...] Meneses, como o definiu o próprio ALENCAR é “a razão social encarnada em um homem”(...).

17.10.13

A redenção do picadeiro e de outras manifestações de massa


 Lendo Sigfried Kracauer, encontro este pensamento que acalenta o espírito deste "palhaço de classe":

"Com o declínio da velha ordem social, colapsam os limites com os quais a estética clássica havia nervosamente segregado a arte do picadeiro da arte elevada."

A "arte do picadeiro" é justamente a arte circense, que aliás foi um dos elementos incorporados à cultura nacional pelo modernismo no Brasil. Antes da renovação cultural modernista, a cultura brasileira "oficial" rejeitava "nervosamente" a arte do circo de suas expressões consideradas legítimas.

Registro do "banquete antropofágico" realizado por artistas modernista em 1929, em homenagem ao palhaço Piolin.
O livro de Sigfried Kracauer que inicio a ler é O ornamento da massa, que me atrai particularmente pelos estudos sobre fotografia e cinema na primeira metade do século XX europeu. Adiante voltarei a este ensaista instigante sob as luzes deste picadeiro, para mais e melhores considerações. Auf Wiedersehen!

16.10.13

Malazarte e a estética irracionalista




Mais um artigo sobre a produção teatral do início do século XX no Brasil, desta vez na figura de Graça Aranha. "Malazarte e a estética irracionalista", de André Tezza Consentino, foi publicado na Revista de Letras da Universidade Federal do Paraná, e trata de Malazarte (1911), drama em três atos de Graça Aranha, relacionando as ideias nele expostas com a filosofia irracionalista. O artigo de Tezza Consentino nos leva à reflexão sobre a teatralidade do texto de Graça Aranha, o que nos pode remeter também a Canaã (1902), romance que tornou o escritor maranhense mais conhecido na vida literária brasileira do início do novecentos. Para acessar o artigo, clique no link abaixo:

http://www.letras.ufpr.br/documentos/pdf_revistas/consentino.pdf

15.10.13

João do Rio e a crônica social no palco


O título acima é do artigo de autoria de Elen de Medeiros, não apenas sobre a dramaturgia de João do Rio, mas também sobre o contexto teatral brasileiro do início do século XX. Elen de Medeiros destaca a temática inovadora de João do Rio, ainda que suas peças apresentem uma precária teatralidade. Além disso, trata do teatro de vertente simbolista no Brasil e no mundo. Leitura obrigatária para quem deseja compreender melhor a literatura da peculiar belle époque brasileira, assim como a produção de João do Rio, cronista atento às mudanças de então. Para acessar o artigo, o link é o seguinte:
files.letraeato.com/200000167-f2f15f3eb0/MEDEIROS,%20E..pdf

14.10.13

imaginário expressionista



O Grito (1893), de Edvard Munch.

Ecce Homo (1925), de Lovis Corinth.

Fränzi perante uma cadeira talhada (1910), de Ernst Ludwig Kirchner.

Uma das imagens do erotismo dilacerado de Egon Schiele (1890-1918).

Fotograma de O gabinete do dr. Caligari (1920), filme de Robert Wiene.
A boba (1915-16), de Anita Malfatti.


12.10.13

"Na escuridão negra": ontem e hoje


          No dia 9 de julho de 1896, o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro anunciava a primeira exibição do primitivo cinematographo, início da história do cinema no Brasil. Depois de descrever o espetáculo e o local para exibi-lo, na tradicional rua do Ouvidor, o artigo precavia assim os prováveis interessados:

Cena de Viagem à lua (1902), de Georges Méliès.
         "O espetáculo é curioso e merece ser visto, mas aconselhamos aos visitantes a se acautelarem contra os gatunos. Na escuridão negra em que fica a sala durante a visão, é muito fácil aos amigos do alheio o seu trabalho de colher o que não lhes pertence. A polícia, que tão bem os conhece, poderia providenciar no sentido de impedir-lhes a entrada naquele recinto."

         Ontem tive a má sorte de encontrar com um "amigo do alheio", que me levou computador e celular, depois de um dia extenso de trabalho. O gatuno ainda tripudiou, depois de conferir o que havia na carteira, que ele rapou e devolveu: "Mais liso que eu, professor!". Ri sem graça, lamentando a "escuridão negra" que graça por aí...

10.10.13

Sobre vanguardas e modernismo brasileiro I: futurismo


Il Marinetti.
Será certamente o futurismo a primeira das vanguardas europeias que por aqui aporta, e mais especificamente pelo porto de Santos a caminho de São Paulo. Quando retorna em 1911 de sua primeira viagem à Europa, Oswald de Andrade traria na bagagem notícias de Marinetti, criador do Futurismo, que publicara em 1909 o primeiro manifesto futurista ("O Futurismo"), seguido por tantos outros manifestos conferências polêmicas intervenções. Para se ter uma ideia da curiosidade que cercava a pregação de Marinetti, basta dizer que no mesmo ano em que se publicou aquele primeiro manifesto em Paris, foi ele transcrito no Jornal de Notícias, da Bahia, na edição de 30 de dezembro de 1909 (o original fora publicado no Le Figaro, na edição de 20 de fevereiro daquele ano). "Em 1920 já é grande, em São Paulo, o consumo da palavra futurista", afirma Mário da Silva Brito no livro fundamental sobre os preparativos da instalação do modernismo no Brasil, Antecedentes da Semana de Arte Moderna (no capítulo intitulado "Os 'futuristas de São Paulo"). Em maio de 1921, Oswald de Andrade publica artigo no Jornal do Comércio, intitulado "Meu poeta futurista", no qual comenta sobre os versos ainda inéditos de Pauliceia desvairada, de Mário de Andrade, livro inaugural da poesia modernista paulistana. A pecha de "futurista" não agradaria ao autor de Pauliceia desvairada, que responderia pela imprensa e no próprio "Prefácio interessantíssimo", programa poético daquele livro inaugural. É de lá que retiro o seguinte trecho:
"Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. / Tenho pontos de contato como o
La farola, de Giácomo Balla.
futurismo. Oswald de Andrade, chamando-me futurista, errou. A culpa é minha. Sabia da existência do artigo e deixei que saísse. Tal foi o escândalo, que desejei a morte do mundo. Era vaidoso. Quis sair da obscuridade. Hoje tenho orgulho. Não me pesaria reentrar na obscuridade. Pensei que se discutiriam minhas ideias (que nem são minhas): discutiram minhas intenções. Já agora não me calo. Tanto ridicularizariam meu silêncio como esta grita."
É esclarecedor ainda o testemunho de Lima Barreto, que em julho de 1922 registraria o recebimento da revista Klaxon, primeira publicação periódica do modernismo paulista, nos seguintes termos: "esses moços tão estimáveis [os responsáveis pela revista, considerada futurista por Lima Barreto] pensam mesmo que nós não sabíamos disso de futurismo? Há vinte anos, ao mais, que se fala nisto e não há quem leia a mais ordinária revista francesa ou o pasquim mais ordinário da Itália que não conheça as cabotinagens do 'il Marinetti'."
Parte do "Manifesto técnico da literatura futurista" pode ser lido no seguinte endereço: http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/2740978
"O Futurismo", "Manifesto técnico da literatura futurista" e seu "Suplemento" estão estampados no livro Vanguardas europeias e modernismo brasileiro, de Gilberto de Mendonça Teles.


9.10.13

A Bela Madame Vargas, de João do Rio





Eis o link para acessar o arquivo (pdf) de A Bela Madame Vargas, peça em três atos de João do Rio:

http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/409.pdf

Faremos a leitura da peça no próximo encontro do grupo de estudos "O texto e a cena teatral no Brasil", que acontecerá no dia 16 de outubro, na sala 2 do Departamento de Literatura. Até lá.

Imagens do teatro brasileiro: modernismo



Capa de Adão, Eva e outros membros da família, de Alvaro Moreyra, peça que será lida e debatida no grupo de estudos "O texto e a cena teatral no Brasil".

Postal do lançamento de Batalha da Quimera, iniciativa de Renato Vianna, 1922.

Desenho de Roberto Rodrigues para o Teatro da Caverna Mágica, iniciativa de Renato Vianna.

Capa da primeira edição de O rei da vela, com desenho de Oswald de Andrade Filho.




8.10.13

A quem interessar possa: segunda chamada

Venho informar aos interessados os dias reservados à realização de segunda chamada da 1a. Avaliação Parcial das disciplinas Literatura Brasileira II e Literatura Brasileira III, dias em que não haverá aula. Os alunos que não puderam comparecer à primeira chamada deverão fazer requerimento em até três dias úteis, a contar do dia 7 de outubro, ou seja, até o dia 10 do mesmo. Os alunos que não entregarem requerimento até a data indicada não farão segunda chamada.
As provas acontecerão nos seguintes dias:

Literatura Brasileira II:
16 de outubro (para a turma 3A)
18 de outubro (para a turma 1A)

Literatura Brasileira III:
11 de outubro (ambas as turmas)

Obs: o feriado do dia dos professores foi antecipado para o dia 14/10/2013.

7.10.13

Descobrindo o teatro


Desenho de Santa Rosa, ilustrador e cenógrafo brasileiro.
'O teatro, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da cultura; começo a suspeitar que é um continente.' Veio-me hoje essa paráfrase de uma expressiva declaração de Simão Bacamarte, o protagonista mais que sintomático do conto "O Alienista", de Machado de Assis. Passeando pela biblioteca da UFC, pelo corredor em que há belas prateleiras sobre os muitos aspectos relacionados ao teatro, seja ele brasileiro ou não, é possível encontrar muitas perspectivas interessantes a quem se interessa pelo texto teatral, assim como pelas questões que ele suscita. Em um dos livros em que passei os olhos rapidamente, a primeira frase dizia que o texto teatral é algo paradoxal, o que me fez lembrar o verbete "teatral", do Dicionário de teatro, de Patrice Pavis (há alguns exemplares dele no térreo da nossa biblioteca), que assim é definido: "1) Que diz respeito ao teatro. 2) Que se adapta bem às exigências do jogo cênico (ex.: uma cena muito visual num romance). 3) Pejorativamente: que visa demais um efeito fácil sobre o espectador, efeito artificial e afetado, julgado pouco natural (...)." (pag. 371). Uma pequena amostra dos instigantes paradoxos que o texto no teatro evoca, não? Uma ilha perdida...

3.10.13

Literatura Brasileira III: exercício de revisão

Literatura Brasileira III – Exercício de Revisão

  1. Relacione os aspectos indicados nos textos abaixo com a produção literária de Lima Barreto e Euclides da Cunha (estilo, gênero e tópicos temáticos):

Texto 1:
O Brasil é mais complexo, na ordem social econômica, no seu próprio destino, do que Portugal.
A velha terra lusa tem um grande passado. Nós não temos nenhum; só temos futuro. E é dele que a nossa literatura deve tratar, da maneira literária. Nós nos precisamos ligar; precisamos nos compreender uns aos outros; precisamos dizer as qualidades que cada um de nós tem, para bem suportarmos o fardo da vida e dos nossos destinos. Em vez de estarmos aí a cantar cavalheiros de fidalguia suspeita e damas de uma aristocracia de armazém por atacado, porque moram em Botafogo ou Laranjeiras, devemos mostrar nas nossas obras que um negro, um índio, um português ou um italiano se podem entender e se podem amar, no interesse comum de todos nós.
A obra de arte, disse [Hippolyte] Taine, tem por fim dizer o que os simples fatos não dizem. Eles estão aí, à mão, para nós fazermos grandes obras de arte.
[...]
Hoje, quando as religiões estão mortas ou por morrer, o estímulo para elas é a arte. Sendo assim, eu como literato aprendiz que sou, cheio dessa concepção, venho para as letras disposto a reforçar esse sentimento com as minhas pobres e modestas obras.
O termo "militante" de que tenho usado e abusado, não foi pela primeira vez empregado por mim.
O Eça [de Queiroz], por quem não cesso de proclamar a minha admiração, empregou-o, creio que nas Prosas Bárbaras, quando comparou o espírito da literatura francesa com o da portuguesa.
Pode-se lê-lo lá e lá o encontrei. Ele mostrou que desde muito as letras francesas se ocuparam com o debate das questões da época, enquanto as portuguesas limitavam-se às preocupações da forma, dos casos sentimentais e amorosos e da idealização da natureza Aquelas eram – militantes, enquanto estas eram contemplativas e de paixão.
(Lima Barreto, “Literatura Militante”. In: _____. Impressões de leitura, p. 72-3).

Texto 2:
[...] Num ponto apenas vacilo – o que se refere ao emprego dos termos técnicos. Aí, a meu ver, a crítica não foi justa. / Sagrados pela ciência e sendo de algum modo, permita-me a expressão, os aristocratas da linguagem, nada justifica o sistemático desprezo que os homens de letras – sobretudo se considerarmos que o consórcio da ciência e da arte, sob qualquer de seus aspectos, é hoje a tendência mais elevada do pensamento humano. / Um grande sábio e um notável escritor, [Marcellin] Barthelot, definiu, fazem poucos anos, o fenômeno, no memorável discurso com que entrou na Academia Francesa. / Segundo se colhe de suas deduções rigorosíssimas, o escritor do futuro será forçosamente um polígrafo; e qualquer trabalho literário se distinguirá dos estritamente científicos, apenas, por uma síntese mais delicada [...].
(Cunha, Euclides da. “[Carta] A José Veríssimo”, In: _____. Obra completa, vol. II, p.653)

  1. Considerando ainda os aspectos desenvolvidos nos dois textos da questão anterior, leia e analise o poema que segue, de Augusto dos Anjos, procurando localizar a obra poética do poeta paraibano no momento pré-modernista brasileiro.

APOCALIPSE

Minha divinatória Arte ultrapassa
Os séculos efêmeros e nota
Diminuição dinâmica, derrota
Na atual força, integérrima, da Massa.

É a subversão universal que ameaça
A Natureza, e, em noite aziaga e ignota,
Destrói a ebulição que a água alvorota
E põe todos os astros na desgraça!

São despedaçamentos, derrubadas,
Federações sidéricas quebradas...
E eu só, o último a ser, pelo orbe adiante,

Espião da cataclísmica surpresa,
A única luz tragicamente acesa
Na universalidade agonizante!


  1. A partir da leitura comparativa dos textos abaixo, caracterize o momento literário do pré-modernismo, indicando temas fundamentais, escolhas formais e feições estilísticas. Exemplifique com partes dos textos apresentados.

Texto 1:
O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.
É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança celeremente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo – cai é o termo – de cócoras, atravessando largo tempo numa posição de equilíbrio instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes dos pés, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridícula e adorável.
É o homem permanentemente fatigado.
Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude.
Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude.
Nada é mais surpreendedor do que vê-la desaparecer de improviso. Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se. Impertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes aclarada pelo olhar desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe, prestes, numa descarga nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhestro reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias.
Este contraste impõe-se ao mais leve exame. Revela-se a todo o momento, em todos os pormenores da vida sertaneja – caracterizado sempre pela intercadência impressionadora entre extremos impulsos e apatias longas.
É impossível idear-se cavaleiro mais chucro e deselegante; sem posição, pernas coladas ao bojo da montaria, tronco pendido para a frente e oscilando à feição da andadura dos pequenos cavalos do sertão, desferrados e maltratados, resistentes e rápidos como poucos. Nesta atitude indolente, acompanhando morosamente, a passo, pelas chapadas, o passo tardo das boiadas, o vaqueiro preguiçoso quase transforma o campeão que cavalga na rede amolecedora em que atravessa dois terços da existência.
Mas se uma rês alevantada envereda, esquiva, adiante, pela caatinga garranchenta, ou se uma ponta de gado, ao longe, se trasmalha, ei-lo em momentos transformado, cravando os acicates de rosetas largas nas ilhargas da montaria e partindo como um dardo, atufando-se velozmente nos dédalos inextricáveis das juremas.

Texto 2:
O Lázaro da Pátria
Filho podre de antigos Goitacases,
Em qualquer parte onde a cabeça ponha,
Deixa circunferências de peçonha,
Marcas oriundas de úlceras e antrazes.

Todos os cinocéfalos vorazes
Cheiram seu corpo. À noite, quando sonha,
Sente no tórax a pressão medonha
Do bruto embate férreo das tenazes.

Mostra aos montes e aos rígidos rochedos
A hedionda elefantíase dos dedos...
Há um cansaço no Cosmos... Anoitece.

Riem as meretrizes no Casino,
E o Lázaro caminha em seu destino
Para um fim que ele mesmo desconhece!

  1. Explique a seguinte afirmação de Alfredo Bosi, não esquecendo de dar exemplos que ilustrem sua exposição: “Sem forçar contrastes (e excetuando sempre a obra de Augusto dos Anjos), será lícito dizer que a poesia representa, no primeiro vintênio do século, o elemento conservador de motivos e formas, ao passo que a prosa de ficção preludia, em seus melhores representantes, os interesses da geração de 22 e, em particular, dos anos 30.” (O Pré-Modernismo, p. 55).

2.10.13

O TEXTO E A CENA TEATRAL NO BRASIL: PRÉ-MODERNISMO E MODERNISMO (grupo de estudos)

Começaram hoje os encontros do grupo de estudos O TEXTO E A CENA TEATRAL NO BRASIL: PRÉ-MODERNISMO E MODERNISMO, do qual seguem breve descrição e cronograma.

Objetivo: aprofundar e problematizar a produção literária do período concernente à disciplina Literatura Brasileira III, através da leitura e da discussão de textos dramatúrgicos produzidos entre o início do século XX e o final da década de 40 do mesmo século. Além de possibilitar uma percepção mais nuançada de autores e obras, a leitura da produção dramatúrgica do período referido propicia a compreensão de aspectos importantes da vida literária no Brasil. Para isto, ao lado dos textos propriamente dramatúrgicos serão utilizados textos críticos e crônicas contemporâneos à produção aqui delimitada, procurando assim levantar dados sobre as condições da produção cultural pré-modernista e modernista, analisando propriamente o texto teatral e os reflexos de sua montagem na recepção crítica da época.

CRONOGRAMA

Outubro
02 – “O texto no moderno teatro” (Sábato Magaldi).
09 – Coelho Neto: “Ao luar” e “Os raios x”.
16 – João do Rio: “A bela Madame Vargas”.
23 – Laivos intelectuais e sensibilidades crepusculares.
30 – Graça Aranha: romance de ideias e teatralidade.

Novembro
06 – Teatro no começo do século XX: política e criação artística.
13 – Joracy Camargo: “Deus lhe pague”.
20 – Oswald de Andrade: o teatro dos manifestos e a dramaturgia de vanguarda.
27 – Álvaro Moreyra: “Adão, Eva e outros membros da família”.

Dezembro
04 – Oswald de Andrade: O rei da vela.
11 – O teatro modernista no Ceará: Eduardo Campos.
18 – Em busca do teatro modernista: Vestido de noiva.

1.10.13

Literatura Brasileira II: exercício de revisão


 
Literatura Brasileira IIProfessor: Marcelo MagalhãesExercício de Revisão

  1. Procure caracterizar, a partir dos trechos que seguem, a estética realista e a narrativa naturalista. Caracterize também a obra do próprio Machado de Assis, apontando peculiaridades de sua dicção artística frente às escolas com as quais conviveu.
Texto 1
[...]
Devo acrescentar que neste ponto manifesta-se às vezes uma opinião, que tenho por errônea: é a que só reconhece espírito nacional nas obras que tratam de assunto local, doutrina que, a ser exata, limitaria muito os cabedais da nossa literatura. [...]
Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região; mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço. [...]
(Machado de Assis. “Instinto de Nacionalidade”, 1873)

Texto 2
[...]
Ora bem, compreende-se a ruidosa aceitação do Crime do Padre Amaro. Era realismo implacável, consequente, lógico, levado à puerilidade e à obscuridade. Víamos aparecer na nossa língua um realisto sem rebuço, sem atenuações, sem melindres, resoluto a vibrar o camartelo no mármore da outra escola, que ao olhos do Sr. Eça de Queirós parecia uma simples ruína, uma tradição acabada. Não se conhecia no nosso idioma aquela reprodução fotográfica e servil das coisas mínimas e ignóbeis. Pela primeira vez, aparecia um livro em que o escuso e o [...] torpe eram tratados com uma exação de inventário. [...] Pois que havia de fazer a maioria, senão admirar a fidelidade de um autor, que não esquece nada, e não oculta nada? Porque a nova poética é isto, e só chegará à perfeição no dia em que nos disser o número exato dos fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha. [...]
(Machado de Assis. “O Primo Basílio”, 1878)


  1. Leia e analise o trecho abaixo, procurando identificar nele traços característicos da narrativa naturalista. Não deixe de referir os traços já indicados por trechos da questão 1.

[...]
Por esse tempo Magdá era acometida por uma explosão de soluços, e chorava copiosamente, o peito muito oprimido.
Ora até que enfim! rosnou o doutor. E, erguendo-se, soprou para o Conselheiro, a descer as mangas da camisa e da sobrecasaca, que havia arregaçado: — Pronto! Estes soluços continuarão ainda por algum tempo, e depois ela sossegará. Naturalmente há de dormir. O que lhe pode aparecer é a cefalalgia...
Como?
Dores de cabeça. Mas para isso você lhe dará o remédio que vou receitar.
E saíram juntos para ir ao escritório.
É o diabo!... praguejava entre dentes o brutalhão, enquanto atravessava o corredor ao lado do Conselheiro, enfiando às pressas o seu inseparável sobretudo de casimira alvadia. — É o diabo! Esta menina já devia ter casado!
Disso sei eu... balbuciou o outro. — E não é por falta de esforços de minha parte, creia!
Diabo! Faz lástima que um organismo tão rico e tão bom para procriar, se sacrifique deste modo! Enfim — ainda não é tarde; mas se ela não casar quanto antes — hum... hum!... Não respondo pelo resto!
Então o doutor acha que... ?
Lobão inflamou-se: — Oh! o Conselheiro não podia imaginar o que eram aqueles temperamentozinhos impressionáveis!... eram terríveis, eram violentos, quando alguém tentava contrariá-los! Não pediam — exigiam! — reclamavam!
E se não lhes dá o que reclamam, prosseguiu, — aniquilam-se, estrangulam-se, como leões atacados de cólera! É perigoso brincar com a fera que principia a despertar... O monstro deu já sinal de si; e, pelo primeiro berro, você bem pode calcular o que não será quando estiver deveras assanhado!
Valha-me Deus! suspirou o pobre Conselheiro, que eu hei de fazer, não dirão?
Ora essa! Pois já não lhe disse! É casar a rapariga quanto antes!
Mas com quem?
Seja lá com quem for! O útero, conforme Platão, é uma besta que quer a todo custo conceber no momento oportuno; se lho não permitem — dana! Ora aí tem!

(Azevedo, Aluísio. O Homem.
Em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bi000022.pdf)


3. Faça um comentário crítico de “O Alienista” (de Papéis Avulsos, 1882), apontando nele traços característicos de seu autor. Retome os trechos críticos da questão 1, relacionando aspectos lá apontados à narrativa que conta a trajetória de Simão Bacamarte e as agruras de sua Casa Verde.