28.10.13

dia do servidor público





Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras –
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança.

[...]

Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.



[transcrição de manuscrito de João Cabral de Melo Neto, 29 de setembro de 1943
In Cadernos de Literatura Brasileira, do Instituto Moreira Salles]


Nenhum comentário: