8.3.12

Sobre a crônica, para pensar Machado de Assis

 
    
      "[...]
     Retificando o que ficou dito atrás, ela [a crônica] não nasceu propriamente com o jornal, mas só quando este se tornou quotidiano, de tiragem relativamente grande e teor accessível, isto é, há pouco mais de um século e meio. No Brasil ela tem uma boa história, e até se poderia dizer que sob vários aspectos é um gênero brasileiro, pela maturidade com que se aclimatou aqui e a originalidade com que aqui se desenvolveu. Antes de ser crônica propriamente dita foi 'folhetim', ou seja, um artigo de rodapé sobre as questões do dia -- políticas, sociais, artísticas, literárias. Assim eram os da seção 'Ao correr da pena', título significativo a cuja sombra José de Alencar escrevia semanalmentee para o Correio Mercantil, de 1854 a 1855. Aos poucos o 'folhetim' foi encurtando e ganhando certa gratuidade, certo ar de quem está escrevendo à toa, sem dar muita importância. Depois, entrou francamente pelo tom ligeiro e encolheu de tamanho, até chegar ao que é hoje.
     Ao longo deste percurso, foi largando cada vez mais a intenção de informar e comentar (deixada a outros tipos dejornalismo), para ficar sobretudo com a de divertir. A linguagem se tornou mais leve, mais descompromissada e (fato decisivo) se afastou da lógica argumentativa ou da crítica política, para penetrar poesia adentro. Creio que a fórmula moderna, na qual entra um fato miúdo e um toque humorístico, com o seu quantum satis de poesia, representa o amadurecimento e o encontro mais puro da crônica consigo mesma.
     No século passado, em José de Alencar, Francisco Otaviano e memo Machado de Assis, ainda se notava mais o corte de artigo leve. Em França Júnior jé é notada uma redução da escala nos temas, ligada ao incremento do humor e certo toque de gratuidade. Olavo Bilac, mestre da crônica leve e aliviada de peso, guarda um pouco do comentário antigo, mas amplia a dose poética, enquanto João do Rio se inclina para o humor e o sarcasmo [...]."

(CANDIDO, Antonio. "A vida ao rés-do-chão". In: _____. Recortes. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. pp. 24-5. Ilustra esta postagem "A lavadeira", pintada por Honoré Daumier em 1860.)

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