23.3.12

Machado de Assis no espelho da crítica: Augusto Meyer

Segundo Alfredo Bosi, a crítica produzida entre 1930 e 1950 sobre a obra machadiana tem em Augusto Meyer (1902-1970) um de seus representates fundamentais. "Atento aos mínimos movimentos da escrita, Meyer desenhou o mapa interno da mina onde ainda hoje escavam os melhores leitores de Machado" (Bosi, 2002, p. 11). E, entre os textos críticos de Meyer, encontramos uma análise de "O espelho", conto fundamental do escritor carioca, estampado em Papéis avulsos, de 1882. Abaixo seguem alguns trechos dentre os mais instigantes dessa análise:

"Realidade? A si mesmo? Quando o narrador desce as escadas, fim do conto, as interrogações sobem na perplexidade do leitor. E não é para menos. 'O espelho' é um dos momentos mais vertiginosos na obra de Machado de Assis. O humorismo cáustico do princípio, a acrobacia machadiana de Jacobina aos expor a sua tese das duas almas, contrasta profundamente com a gravidade simples da história contada por ele. O próprio ambiente prepara essa impressão, pela sugestão visual de uma claridade dúbia, fantástica, a de um sonho vagamente sonhado por nós, na penumbra de outra vida" (Meyer, 1986, p. 209).
"Sim, pensando bem, Jacobina é isso mesmo: 'uma fantasia graduada em consciência'. A farda, a alma exterior, alma exterior, tomou conta do espírito. O homem se fez manequim agaloado e faceiro, sombra de si mesmo, paródia da verdadeira alma. Esta, coitada, está lá dentro, encolhida, abafada pela farda, sem voz ativa -- porém subsiste como a própria essência da vida que não se vê com os olhos da carne.
Ora, Jacobina somos nós. Botamos a farda e representamos uma paródia do nosso eu autêntico -- não na vida social apenas, na vida profunda do espírito, que anda quase sempre fardado. O imperativo do instinto vital se encarrega de fardar o espírito para que ele não se veja no espelho tal como é na verdade. Só existem as almas exteriores, bovarizadas, mascaradas, e para elas, que só navegam na sabedoria da superfície, é melhor não sondar a profundidade terrível do homem. quem tira a farda, quem tenta ver o que há além da fantasmagoria organizada em seu proveito pela inconsistência vital, sente a vertigem de si mesmo e de tudo, acaba falando sozinho diante do espelho, como o Alferes Jacobina" (idem, p. 210-211).



[referências bibliográficas: BOSI, Alfredo. Machado de Assis. São Paulo: Publifolha, 2002;
MEYER, Augusto. Textos críticos. Seleção e introdução de João Alexandre Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 1986]

Um comentário:

Karla disse...

Sempre que leio esse conto
[O espelho] lembro do texto "Viagem longa, destino incerto" do Rubem Alves, a história da "bela viola" e do "pão bolorento".

http://www.releituras.com/rubemalves_viagem.asp