1.5.11

Ilusões do século XVIII, por Thompson



Se nos colocarmos em qualquer ponto da Europa em meados do século XVIII, poderemos observar uma cultura letrada ou refinada praticamente distanciada em relação à cultura da gente do povo. “Pessoas de posição tendem a manter-se a uma distância fria do homem do povo, como se temessem perder algo com essa intimidade.” Essas palavras são colocadas por Goethe na boca do aflito jovem Werther em 1774, e elas nos fazem lembrar não apenas o grande espaço social entre a aristocracia e o povo, mas também a fervilhante autoconsciência desse espaço na Europa de Rousseau. [...] “Eu sei, continua ele [Werther], que nós, seres humanos, não fomos criados iguais”; mas a própria insistência trai uma dúvida – uma dúvida que deveria ser reforçada dois anos mais tarde pela Declaração da Independência Norte-Americana, e que nos quinze anos seguintes iria despedaçar a cultura da Europa não em duas mas em diversas partes.
Devemos, portanto, chamar a atenção para uma ironia – e que é a seguinte: quanto maior era o espaço social, mais espaço havia nele para o florescimento de ilusões. Nas enormes distâncias sociais da Rússia do século XIX, o homem benevolente convocava os camponeses, que lhe retribuíam a benevolência. Lá, a imagem fictícia de um Campesinato Virtuoso obcecava os escritores populistas [...].
[...] Já no século XVII ele [o ideal do camponês virtuoso] é efetivamente relegado a uma figura decorativa na écloga pastoral e ali ficou, com tenacidade enfadonha, durante a maior parte do século XVIII. Mas o camponês virtuoso nunca foi um dos mitos fertilizadores da cultura inglesa daquele século.




[Thompson, E. P. Os Românticos. Tradução Sérgio Moraes Reis.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, pp. 15-6.

a ilustração é de Rugendas]

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