Em março de 1921, Mário de Andrade publicaria crônica em que relatava os acontecimentos do que ficou conhecido como Manifesto do Trianon -- lançamento da edição de luxo de As máscaras, prosa poética de Menotti del Picchia, em que também se lançaria publicamente o modernismo, que no ano seguinte consagraria a Semana de Arte Moderna. Os fatos aqui relatados seriam posteriormente evocados em versos de Pauliceia desvairada: "Bofetadas líricas no Trianon... Algodoal!..." (do poema "Inspiração", verso 7). Eis o trecho da crônica de Mário de Andrade.
Depois botaram falação. Muita coisa era digna de ser ouvida e anotada. O senhor Putteri, em nome da colônia italiana, espelhou ideias muito
boas e muito sensatas. Sensatas demais até para serem lindas. O Oswaldo de
Andrade falou também, representante e mandarim de uma geração nova, reveladora
de muito brilho e alguma esperança. Era o clarim dos futuristas, gente "do
domínio da patologia", como dizem e redigem alguns críticos passadistas,
num afanoso rancor pelas auroras. João Miramar disse coisas lindas... O que
implica dizer que não eram bem pensadas... E talvez seja verdade... Os homens
do teu clã, como tu o chamaste, Oswaldo, meu Thiers, não pensam −, cismam, não
refletem −, sentem. É uma estufa de poetas loucos, geração exótica, fantástica,
arrepelada pelo consórcio com a garoa, a internacionalidade das nossas
fábricas, com o convencionalismo ritual do meio. Neste manicômio pouco se
pensa, dizem... Mas quê de sensações, quê
de comoções, quê de entusiasmos, quê de luares e fogaréus, onde a cada passo se
multiplica e se transfigura a Beleza − essa bem querida Errabunda entre os
sarçais da Perfeição!... A prova disso: o Oswaldo de Andrade falou com a sua
voz que é um sacrilégio, pois imita o místico psalmodiar beneditino, e a sala
aplaudiu. Todos estavam muitos satisfeitos porque se julgavam incorporados a "meia
dúzia" de que falara o audaz. Se se lembrassem naquele cego momento de
entusiasmo que pertencer a "meia dúzia" era cair "no domínio da
patologia", talvez tirassem o corpo ao chuço do impropério... Como se a
loucura não fosse defeito ou apanágio da humanidade inteira! Mas a vitória do
clã está em ttodos terem querido fazer parte dele, não vendo o orgulho de
solicitude em que se fortifica e acendra.
[Andrade,
Mário de. De São Paulo (1920-1921)
São Paulo: Senac, 2004, pp. 43-4]
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