1. Leia
atentamente o trecho abaixo e faça o que se pede.
Várias
vezes peguei a Bíblia para tirar dinheiro, e o livro sempre se abriu
no Eclesiastes, mostrando-me a frase de Salomão enjoado.
Repetindo-a, senti uma atroz amargura. Uvas verdes. Que me importava
salomão?
Num
sombrio acesso de desespero, pensei no suicídio. Tolice. Eu tenho lá
coragem de suicidar-me? O que fiz foi passar uns dias quase sem
comer. A escrituração ficou atrasada uma semana, o que me valeu
duas observações de Vitorino, e abandonei o jornal de Padre
Atanásio e os caetés.
Para
que mexer nos caetés, uma horda de brutos que outros brutos varreram
há séculos?
Só
Luísa me preocupava. Desejei-a dois meses com uma intensidade que
hoje me espanta. Um desejo violento, livre de todos os véus com que
a princípio tentei encobri-lo. Amei-a com raiva e pressa, despi-me
de impulsos que me importunavam, sonhei, como um doente, cenas
lúbricas de arrepiar. Quando ia à casa dela, mostrava-me taciturno
e esquivo. Vinha-me às vezes uma espécie de delíquio, parecia-me
que o coração deixava de pulsar, e era um frio, uma angústia,
sensação de vácuo imenso. Estava sempre a sobressaltar-me, como se
em redor me lessem na alma. Transparecia nos meus modos uma irritação
que procurei conter debalde; se alguém me interrogava, respondia com
palavras secas e breves.
E
quanto disparate! Uma noite cumprimentei deste modo o Reverendo, que
chegava: “Adeus, Padre Atanásio. Divirta-se.”
Riram
em torno, gaguejei explicações parvas e encolhi-me, rangi os
dentes, sentindo a vaga tentação de estrangular o Dr. Castro, que
sorria para Clementina.
(RAMOS,
Graciliano. Caetés. 18a
ed. Rio de Janeiro: Record, 1982, p. 139-140.)
a)
O enredo do primeiro romance de Graciliano Ramos, Caetés,
é construído em dois planos, com o drama contemporâneo superposto
ao drama histórico dos caetés. Exponha em resumo os traços
característicos de cada um deles, assim como a relação entre um e
outro, indicando a distância que este romance mantém do chamado
surto nordestino de
1930 na literatura brasileira.
b)
Em estudo sobre Caetés,
Antonio Candido indica
presença nele das “melhores receitas da ficção realista
tradicional”, assim como da “técnica do devaneio”. Procure
explicar a presença destes elementos, apontando diferenças
fundamentais da literatura experimentalista que caracterizou os anos
1920 na literatura brasileira.
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