E ninguém se mexe, ninguém pega no ganzá e celébra esse outro gol do Brasil que é o Prêmio Internacional de Poesia Etna-Taormina, conferido a Murilo Mendes?
Uma sobra dos aplausos distribuídos a Pelé, a Mequinho, às seleções esportivas brasileiras que levantam campeonatos no estrangeiro, devia ficar de reserva, para casos como este, em que também um poeta (ou até um poeta!) alcança para o seu país a notoriedade nacional em termos positivos. É hora de tremular bandeiras, minha gente; de buzinar, badalar, clarinar, tirar o chope mais geladinho, entoar o jingle, a canção báquica em louvor do juiz-forano esguio e ilustre cuja poesia sensibilizou juízes európicos cheios de critérios mais-que-abstratos, levando-os a reconhecer nestes brasis ainda tão pouco sabidos apesar de Santos Dumont, Vila-Lobos, Portinari, Jorge Amado, Niemeyer, uma capacidade de invenção poética digna de emparelhar com a de um Dylan Thomas, um Supervielle, um Jorge Guillén, um Quasimodo ou Ungaretti, distinguidos antes pelo Etna-Taormina.
[...]
Ora, direis, o Murilo anda distante de nós uma fieira de mares e anos, e quem está longe, taca-se silêncio nele. Se estivessem aqui fazendo o corso das exposições de arte e antiarte, das noites uisqueiras de autógrafos, dos bares ao Sul plantados, isto sim, que o carregaríamos no andar, e havia de ser curtição por uma semana. Lá da via del Consolato, 6, em Roma, não dá. Pois no fundo nós nos celebramos é a nós mesmos, ao vitoriar os próximos que são nossas imagens refletidas. Cada um carrega seu espelho glorificante, sem braços para portar outros materiais, mesmo simbólicos...
Murilo Mendes por Guingnard, 1930. |
Engraçada, nossa capacidade de arquivar o companheiro, logo que ele dobra a esquina; se vai de jato ou de navio, então, desabam desabam séculos de esquecimento. A verdade é que Murilo levou na bagagem para a Itália (onde ensina Brasil, vende Brasil, mercadoria intelectual) sua alma brasileira, sua poesia brasileira cheia de novidades. não deixou esses bens aqui, feito botina velha. E agora os vê exaltados no reconhecimento de uma obra que é fruto saboroso da cultura brasileira confrontada com valores universais. Palmas para ele, que ele merece, mesmo não sendo artista de TV, para quem as palmas são obrigatórias e fazem parte do salário.
(Carlos Drummond de Andrade. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24/2/1972)
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