Universidade Federal do Ceará
Centro de
Humanidades – Curso de Letras – Departamento
de Literatura
Literatura Brasileira III – Professor:
Marcelo Magalhães – 2ª AP
1. Leia e
analise o texto abaixo, procurando identificar nele traços característicos da
poética de seu autor e também caracteres específicos de Pauliceia Desvairada (1922). As tendências da poesia moderna
apresentados por Mário de Andrade no “Prefácio Interessantíssimo” e n’A Escrava que não é Isaura (1924) devem
ser relacionadas em sua análise.
Noturno
Luzes do Cambuci pelas noites de crime. . .
Calor! ... E as nuvens baixas muito grossas,
feitas de corpos de mariposas,
rumorejando na epiderme das árvores. . .
Gingam os bondes como um fogo de artifício,
sapateando nos trilhos,
cuspindo um orifício na treva cor de cal. . .
Num perfume de heliotrópios e de poças
gira uma flor-do-mal. . . Veio do Turquestão;
e traz olheiras que escurecem almas. . .
Fundiu esterlinas entre as unhas roxas
nos oscilantes de Ribeirão Preto. . .
— Batat’assat’ô furnn! . . .
Luzes do Cambuci pelas noites de crime! . . .
Calor. . . E as nuvens baixas muito grossas,
feitas de corpos de mariposas,
rumorejando na epiderme das árvores. . .
Um mulato cor de oiro,
com uma cabeleira feita de alianças polidas. . .
Violão! "Quando eu morrer. . .” Um cheiro
[pesado de baunilhas
oscila, tomba e rola no chão. . .
Ondula no ar a nostalgia das Baías. . .
E os bondes passam como um fogo de artifício,
sapateando nos trilhos,
ferindo um orifício na treva cor de cal. . .
— Batat’assat’ô furnn! . . .
[...]
Balcões na cautela latejante, onde florem
[Iracemas
para os encontros dos guerreiros brancos. . .
[Brancos?
E que os cães latam nos jardins!
Ninguém, ninguém, ninguém se importa!
Todos embarcam
na Alameda dos Beijos da
[Aventura!
Mas eu. . .
Estas minhas grades em girândolas
[de jasmins,
enquanto as travessas do Cambuci nos livres
da liberdade dos lábios entreabertos! . . .
Arlequinal! Arlequinal!
As nuvens baixas muito grossas,
feitas de corpos de mariposas,
rumorejando na epiderme das árvores. . .
Mas sobre estas minhas grades em girândolas
[de jasmins,
o estelário delira em carnagens de luz,
e meu céu é 'todo um rojão de lágrimas!. . .
E os bondes passam como um fogo de artifício,
sapateando nos trilhos,
jorrando um orifício na treva cor de cal. . .
— Batat’assat’ô furnn! . . .
(Mário de Andrade, Pauliceia Desvairada, 1922)
2. A partir
da leitura do trecho abaixo, relacione aspectos do “Manifesto da Poesia
Pau-Brasil” (1924) ao texto da questão anterior, apontando reflexos e
contrastes entre as obras de Mário de Andrade e de Oswald de Andrade.
A poesia existe nos fatos. Os
casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são
fatos estéticos.
O Carnaval no Rio é o
acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de
Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério.
A cozinha. O vatapá.
[...]
O lado doutor. Fatalidade do
primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas selvagens. O
bacharel. Não podemos deixar de ser doutos. Doutores. País de dores anônimas,
de doutores anônimos. O Império foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o gavião
de penacho.
[...]
A língua sem arcaísmos, sem
erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros.
Como falamos. Como somos.
[...]
A poesia pau-brasil é uma sala de
jantar domingueira, com passarinhos cantando na mata resumida das gaiolas, um
sujeito magro compondo uma valsa para flauta e a Maricota lendo o jornal. No
jornal anda todo o presente.
Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres.
Temos a base dupla e presente – a
floresta e a escola. [...]
[...]
Apenas brasileiros de nossa época.
[...]
3. Gilda de
Melo e Antonio Candido afirmam que um dos modos de ler os poemas de Manuel
Bandeira “seria pensá-los com referência aos dois polos da Arte, isto é, o que
adere estritamente ao real e o que procura subvertê-lo por meio de uma
deformação voluntária”. A partir desta afirmação, e também de elementos do
“Manifesto da Poesia Pau-Brasil”, analise o poema que segue.
O cacto
Aquele cacto lembrava os
gestos desesperados da estatuária:
Laocoonte constrangido pelas serpentes,
Ugolino e os filhos esfaimados.
Evocava também o seco Nordeste, carnaubais, caatingas...
Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.
Um dia um tufão furibundo abateu-os pela raiz.
O cacto tombou atravessado na rua,
Quebrou os beirais do casario fronteiro,
Impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças,
Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas
Laocoonte constrangido pelas serpentes,
Ugolino e os filhos esfaimados.
Evocava também o seco Nordeste, carnaubais, caatingas...
Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.
Um dia um tufão furibundo abateu-os pela raiz.
O cacto tombou atravessado na rua,
Quebrou os beirais do casario fronteiro,
Impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças,
Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas
[privou a cidade
de iluminação e energia:
– Era belo, áspero,
intratável.
(Manuel Bandeira,
1925. Publicado em Libertinagem, de
1930)
Glossário
Laocoonte: sacerdote de
Apolo, que foi morto por serpentes marinhas junto com os filhos em dramático
episódio da Guerra de Tróia. Conta a lenda que as serpentes foram enviadas por
Poseidon, deus que favorecia aos gregos. “Laocoonte e seus filhos”, escultura
em mármore do século I a.C., é exemplar na representação de momentos patéticos
da dor humana.
Ugolino: o Conde Ugolino foi trancado
com filhos e netos em uma torre de Pisa, até morrerem de fome. Figura na Divina comédia (Inferno, XXXIII), e constitui também tema patético da estatuária
ocidental.
2 comentários:
Professor, é pra responder as três questões ou somente duas?
Professor , teria a possibilidade do senhor considerar apenas as primeiras duas questões dessa prova?
ass; Linete
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