Os quatro poemas que seguem representam quatro possíveis entradas no espaço da vida literária brasileira em que o Parnasianismo teve proeminência. O sensualismo de Luís Delfino, a reflexão filosofante de Machado de Assis, a iconoclastia antirromântica de Carvalho Júnior e a poesia "socialista" de Valentim Magalhães servem de ganchos para a reflexão sobre a poesia parnasiana brasileira. Nem todos são conformes com a estética do Parnasianismo, mas servem todos para a configuração mais abrangente do período. Para conhecer um pouco dos antecedentes imediatos do nosso momento parnasiano, vale conferir o artigo crítico de Machado de Assis intitulado "A Nova Geração", de 1879, em que alguns dos poetas representados pelos poemas que seguem estão relacionados. O artigo crítico referido, como outros de Machado de Assis, podem ser acessados em http://machado.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=170:critica&catid=34:obra-completa&Itemid=123. Boa leitura.
Num turbilhão
de estátuas
At the mind hour of night, when stars are
weeping…
T. Moore – Irish
melodies
Quando os
formosos mármores de Atenas,
Brancos, como
luares transparentes
Desmanchando
seu feixe de açucenas
Na limpidez
sonora das correntes,
Murmuram suas
doces cantilenas
Pelas suaves
curvas esplendentes,
Mas como um
sonho, um vago sonho apenas,
Que embala a
noite em páramos silentes...
Numa ebriez
de luz, turbado e incerto,
Entre o
alarido de rosais desperto,
Via
erguer-se, surgir... Ficar só tu.
Do turbilhão
de estátuas fugidias
Restavam só
as formas luzidias
De teu corpo
orgulhosamente nu.
(Luís Delfino,
Algas e Musgos, 1927)
Círculo Vicioso
Bailando no
ar, gemia inquieto vaga-lume:
– “Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
Que arde no
eterno azul, como uma eterna vela!”
Mas a
estrela, fitando a lua, com ciúme:
– “Pudesse eu copiar o transparente lume,
Que, da grega
coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!”
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!”
Mas a lua,
fitando o sol, com azedume:
– “Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade
imortal, que toda a luz resume!”
Mas o sol,
inclinando a rútila capela:
– “Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me
esta azul e desmedida umbela...
Por que não
nasci eu um simples vaga-lume?”
(Machado de Assis, Ocidentais, 1880)
Profissão de
Fé
Odeio as virgens pálidas, cloróticas,
Beleza de missal que o romantismo
Hidrófobo apregoa em peças góticas,
Escritas nuns acessos de histerismo.
Beleza de missal que o romantismo
Hidrófobo apregoa em peças góticas,
Escritas nuns acessos de histerismo.
Sofismas de mulher, ilusões óticas,
Raquíticos abortos de lirismo,
Sonhos de carne, compleições exóticas,
Desfazem-se perante o realismo.
Raquíticos abortos de lirismo,
Sonhos de carne, compleições exóticas,
Desfazem-se perante o realismo.
Não servem-me esses vagos ideais
Da fina transparência dos cristais,
Almas de santa e corpo de alfenim.
Da fina transparência dos cristais,
Almas de santa e corpo de alfenim.
Prefiro a exuberância dos contornos,
As belezas da forma, seus adornos,
A saúde, a matéria, a vida enfim.
As belezas da forma, seus adornos,
A saúde, a matéria, a vida enfim.
(Carvalho Júnior, Parisina, 1879)
A Ideia Nova
A Barros Cassal
Abisma o teu
olhar no azul do firmamento;
Devassa o velho Olimpo e o velho céu cristão:
À serena altivez do seu deslumbramento
A indagadora vista elevarás em vão!
Devassa o velho Olimpo e o velho céu cristão:
À serena altivez do seu deslumbramento
A indagadora vista elevarás em vão!
Está deserto
o céu! No grande isolamento
Palpita, ensanguentado, o sol – um coração.
Mas os deuses de Homero, o Jeová sangrento,
Alá e Jesus Cristo, os deuses onde estão?
Palpita, ensanguentado, o sol – um coração.
Mas os deuses de Homero, o Jeová sangrento,
Alá e Jesus Cristo, os deuses onde estão?
Morreram.
Era tempo. Agora encara a terra:
Ressoa alegre a forja e sai da escola um hino.
O Gênio enterra o Mal em uma negra cova.
Ressoa alegre a forja e sai da escola um hino.
O Gênio enterra o Mal em uma negra cova.
Deus habita
a consciência. O coração descerra
Aos ósculos do Bem o cálix purpurino.
Vem perto a Liberdade.
Aos ósculos do Bem o cálix purpurino.
Vem perto a Liberdade.
É isto a Ideia Nova.
(Valentim Magalhães, Cantos e
Lutas, 1879)
2 comentários:
Algumas pessoas na sala questionaram o fato da estrela desejar a lua e não sol.Porém, o impacto do poema é o enfado do sol (o astro rei)e a sua referência existencial ao vaga-lume, o tal inseto que começa esse processo e que parece ser tão ínfimo contrastando com os astros. Quer dizer, o efeito do poema só ocorre porque houve um sentido escalar que foi quebrado.
isso isso issso.. a cadeia se faz gradativamente, vaga-lume na estrela, estrela na lua, lua no sol, e sol no... vaga-lume, o que acaba por fechar o tal círculo vicioso..
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