Na postagem anterior, o poema "A Catedral", de Alphonsus de Guimaraens, evoca um pouco de uma ambientação que bem poderíamos chamar de decadentista. A paisagem brumosa, o tom soturno e principalmente a presença da "catedral ebúrnea do meu sonho", que retorna com constância à sonoridade do poema, debuxam um cenário tipicamente decadente. Entanto um verso específico puxou pela perna uma ponta de lembrança, trecho de prosa simbolista, uma das prosas poéticas de Canções sem metro (1883), de Raul Pompeia. O verso de que falo é o segundo do poema: "O hialino orvalho aos poucos se evapora", que evocou o seguinte trecho da prosa poética das Canções sem metro:
Há também nas
almas o incolor diáfano do vidro.
Dinheiro, amor, honraria, sucesso, nada me
falta. O programa das ambições tracei, realizei. Tive a meu serviço a
inteligência estudiosa do Ocidente e a sensualidade amestrada do Levante. Tive
por mim as mulheres como deusas e os homens como cães. Nada me falta e disto
padeço. Todos dizem: aspiração! e eu não aspiro. Todos sentem a música do
universo e a harmonia colorida dos aspectos. Para mim só, vítima da saciedade! tudo
é vazio, escancarado, nulo como um bocejo.
E os dias passam, que vou contando lento,
lento torturado pela implacável cor de vidro que me persegue.
(Pompéia,
Raul. Canções sem metro. Rio de
Janeiro: Typ. Aldina, 1900; p. 14-15. Ilustra essa postagem óleo de Gustave Moreau, pintor simbolista francês)
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