Seguem dois sonetos de Gregório de Matos – o primeiro deles apresenta uma visão do Dia do Juízo; o segundo, soneto dedicado ao Padre Antônio Vieira, por ocasião de sua morte.
O alegre do dia entristecido,
O silêncio da noite perturbado
O resplandor do sol todo eclipsado,
E o luzente da lua desmentido!
Rompa todo o criado em um gemido,
Que é de ti mundo? onde tens parado?
Se tudo neste instante está acabado,
Tanto importa o não ser, como haver sido.
Soa a trombeta da maior altura,
A que a vivos, e mortos traz o aviso
Da desventura de uns, d'outros ventura.
Acabe o mundo, porque é já preciso,
Erga-se o morto, deixe a sepultura,
Porque é chegado o dia do juízo.
Corpo a corpo à campanha embravecida,
Braço a braço à batalha rigorosa
Sai Vieira com sanha belicosa,
De impaciente a morte sai vestida.
Invistem-se cruéis, e na investida
A morte se admirou menos lustrosa,
Que Vieira com força portentosa
Sua ira cruel prostrou vencida.
Porém ele vendo então, que na empresa
Deixava a morte à morte: e ninguém nega,
Que seus foros perdia a natureza;
E porque se exercite bruta,
e cega Em devorar as vidas com fereza,
A seu poder rendido a sua entrega.