31.3.14

Pra pensar a ditadura, Crioulo recanta Chico





O estopim do modernismo

Seguem reproduções de algumas telas representativas da mentalidade e da estética modernistas. Lasar Segall, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral foram artistas importantes para a definição do modernismo brasileiro; e é já famosa a expressão "estopim do modernismo", cunhada por Mário da Silva Brito para designar a primeira exposição de Anita Malfatti, ocorrida em 1917 na capital paulista, violentamente criticada por Monteiro Lobato através do artigo "Paranoia ou mistificação?". Vejam com olhos livres, como propuseram os modernistas da primeira hora.



Aldeia Russa (1912), óleo sobre tela, de Lasar Segall. "Nesta tela, a moldura que envolve os personagens em destaque é o correr de casas baixas da aldeia, organizadas em triângulos e prismas espelhados, pontuados pelos pequenos recortes da porta e das janelas. A simplificação intencional das construções reforça o aspecto simbólico de pureza dessa cena de vida no campo" (descrição transcrita da página do Museu Lasar Segall). O artista lituano, naturalizado brasileiro em 1927, teve dez de suas obras expostas na Exposição de Arte Degenerada realizada em Munique, no ano de 1937.


Emigrante sobre amurada (1929), xilogravura de Lasar Segall.

Menino com lagartixas (1924), de Lasar Segall. "Menino com lagartixas é uma das pinturas da 'fase brasileira' de Segall. A denominação, dada pelo crítico Mário de Andrade, refere-se às primeiras produções do artista em nossas terras. Essa fase revela o impacto que a luz tropical, a vegetação e os tipos de negros exercem sobre sua obra criada no Brasil. Emergente do Expressionismo, Segall deixa temporariamente de lado as tonalidades baixas – ocre, cinza e preto – do período europeu e adota 'uma palheta nova de cores claras e cômodas', no dizer de Mário de Andrade. Todas as tonalidades do verde cobrem as folhas do bananal, ao fundo, cuja exuberância é domesticada pela presença reiterada das linhas retas. No primeiro plano, a imagem exótica que seduz o pintor e dá título à obra" (retirado da página do Museu Lasar Segall).


Paisagem Brasileira (1925), de Lasar Segall. "A vinda para o Brasil, no final de 1923, repercute intensamente na produção de Segall. Ao trocar o clima opressivo da vida alemã pela amplidão dos espaços brasileiros, uma revolução se processa em sua alma e em sua pintura. Mais tarde ele iria declarar que foi em terras brasileiras que teve a revelação do 'milagre da cor e da luz'. Seus motivos passam a ser: a paisagem do Rio de Janeiro, os morros com as favelas, a vegetação luxuriante das fazendas do interior paulista, principalmente os extensos bananais, e os tipos de mulheres e homens negros. O artista disciplina a emoção do encontro com a natureza tropical fazendo uso de uma composição controlada pelas formas geométricas. Esta tela mostra ainda que pintores modernistas, como Tarsila do Amaral, influenciaram na mudança de rumo da pintura de Segall" (retirado da página do Museu Lasar Segall).



Bananal (1927), de Lasar Segall.


Retrato de Mário de Andrade (1927), de Lasar Segall.


A Boba (1916), de Anita Malfatti. Tela pintada na Independent School of Art, é das obras mais abstratizantes da pintora. Anita não "se atreveu" a expô-la na mostra individual de 1917, nem na Semana de Arte Moderna de 1922.


A Mulher de Cabelos Verdes (1916), de Anita Malfatti. Pintada nos Estados Unidos, ano letivo de 1915/16, na Independente School of Art. Uma das telas que mais chocou o meio paulistano na exposição de 1917.


O Homem Amarelo (1916), de Anita Malfatti. Tela mais conhecida, citada e reproduzida da pintora. Exposta em 1917, causou escândalo em São Paulo, sendo a mais visada pela crítica. Ainda na exposição da Semana de Arte Moderna, em 1922, foi provavelmente a obra que mais ouviu "blagues" e ataques. Sobre ela, vale a leitura de depoimento de Mário de Andrade: "Parece absurdo, mas aqueles quadros foram a revelação. E ilhados na enchente de escândalo que tomara a cidade, nós, três ou quatro, delirávamos de êxtase diante de quadros que se chamavam 'O homem amarelo', 'A estudanta russa', 'A mulher de cabelos verdes'. E a esse mesmo 'Homem amarelo' de formas tão inéditas então, eu dedicava um soneto de forma parnasianíssima... Éramos assim."


O Japonês (1916), de Anita Malfatti. "Há grande liberdade de desenho e de composição da tela, mas na cabeça do retratado Anita ainda não recorre a deformações e assimetrias mais violentas. O tratamento do rosto traz reminiscências das obras alemãs: de certa forma respeita suas proporções, mas agora o desenvolve [...] em massas firmemente estruturadas, onde alterna vermelhos, verdes e amarelos" (Marta Rossetti Batista, 2006, p. 158).

A Onda (1915-17), de Anita Malfatti.


A Ventania (1915-17), de Anita Malfatti. Mostra linguagem expressionista estruturada.

Tropical (1917), de Anita Malfatti. Provavelmente pintada logo após a chegada ao Brasil, quando em contato com as preocupações nacionalistas do momento.


Mário de Andrade I (1922), de Anita Malfatti. Entre 1921 e 23, Anita pintou três retratos de Mário de Andrade. Baseando-se na descrição do escritor, este seria o primeiro de uma série, realizado em data próxima da Semana de Arte Moderna. Mário descreveu sua emoção ao posar para o retrato: "Estávamos os dois na penumbra oleosa do atelier. Ela arranjara a tela, preparara as cores e, gestos nervosos, serpentinos, esboçara o meu retrato./Haavia uma alegria de milagre lá fora. Tínhamo-nos encontrado no portão, ridentes, despreocupados, longe da vida como a manhã infantil que cambalhotava pelos morros em frente, como a própria paisagem silvestre que, numa ironia feminina da natureza, sorria seus lábios verdes, junto ao civilizado perfil da cidade. Anita dera-me a mão, num 'bom-dia' primaveril. Toda de branco! Eu, embora de negro, não trazia o coração 'vertu de noir' [...]. Sentia-me feliz."


Autorretrato (1922), de Anita Malfatti.

O Grupo dos Cinco (1922), desenho de Anita Malfatti. Deitados no chão estão Menotti de Picchia e Oswald de Andrade; ao piano Mário de Andrade e Tarsila do Amaral; no divã a própria Anita.


Estudo para A Negra (1923) ao lado de fotografia do acervo familiar de Tarsila do Amaral. "Ao mesmo tempo, é preciso voltar a A Negra, pintada em 1923 e hoje no acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP, ponto de partida de sua fase mais tarde chamada de antropofágica. O espanto causado pela exibição desse quadro, mesmo 20 anos após sua criação, residia sempre na forma brutal e pesada da figura central: preta sentada, peito apoiado no braço. Nessa tela, literária enquanto surrealista, simbolista na relação 'forma e idéia', Tarsila evoca pela primeira vez em voz alta, personagens e cenas de sua infância, a estilização numa aproximação magnética e inconsciente ao desenho e volume da pedra e do recortado da paisagem. E a artista recorda hoje as pretas da fazenda, que lhe contavam do costume das antigas escravas, de atar uma pedra ao bico do peito, para alongá-lo. Essa deformação provocada, assim, aos poucos, facilitava o jogar um dos peitos ao ombro, de onde a criança, amarrada às costas, podia então mamar tranqüilamente, sem ocupar os braços da mãe, ativa em seus afazeres diários" (Aracy Amaral).


Auto-retrato (Manteau rouge), de Tarsila do Amaral. Sobre ele comenta Aracy Amaral: "seu auto-retrato de 1923, vestida com um manteau de Jean Patou que dá nome ao quadro (Manteau rouge), antecipa a idealização de sua própria figura por meio de uma síntese de formas e linhas, visão frontal e redução cromática" (Aracy Amaral).

São Paulo (1924), de Tarsila do Amaral. Sobre ela comenta Aracy Amaral: "É a pintura que desenvolveu, a partir de 1924, verdadeiro cântico de entusiasmo à cidade de São Paulo e ao progresso (palavra mágica então), com as locomotivas, passagens de nível, trilhos, o rural também transparecendo na cor, na sobreposição dos elementos em 'presépio', sem perspectiva. Quando reproduz a cidade, é sempre uma São Paulo lírica e leve, árvores-balões, frutas-ovóides, verdadeiras ilustrações poéticas
para textos de [Blaise] Cendrars" (Aracy Amaral).

A Negra (1923), de Tarsila do Amaral.

São Paulo (1924), de Tarsila do Amaral. Sobre esta tela escreveu Mário de Andrade: "Observe-se o São Paulo por exemplo. Seria vão provar a plasticidade eminente, violenta mesmo dessa obra. Mas os objetos escolhidos para a criação formam uma expressão intensa e nacionalista do que é a cidade paulistana. Aí está no Gazo o [sic] fúria do anúncio que caracteriza as grandes aglomerações industriais. Na avenida larga da moderna S. Paulo, com árvores que lembram a riqueza da nossa arborização, trilhos de bonde, a figura esquipática do Forde (...). E lá está o distribuidor de gasolina Motano, como a força matriz desse enorme movimento. Convém ainda notar que a escolha do Forde e não duma Cadillac não foi feita ao caso. Todo o interior das riquezas fluindo, concorrendo para a grandeza da estranha capital paulista. A parte colonial da cidade não se esqueceu. Mas nessa as chaminés dominam e se espeta dominador o arranha-céu."

Retrato de Oswald de Andrade (1922), de Tarsila do Amaral.




Literatura Brasileira III: segunda chamada da Avaliação Parcial 1

Gostaria de lembrar aos alunos de Literatura Brasileira III que na sexta-feira, dia 4 de abril, não haverá aula: é a vez da segunda chamada da primeira avaliação parcial. Nossa próxima aula fica portanto para segunda, dia 7 de abril.

25.3.14

Retratos do Século XIX: 25 de março cearense

Há 130 anos, no Ceará...

Sociedade Cearense Libertadora: (em pé estão) Isaasc Amaral, Papi Júnior, William Ayres, João Cordeiro, Antônio Bezerra, Dragão do Mar, Alfredo Salgado; (sentados) Oliveira Paiva, João Lopes, José Amaral e Antônio Martins (do Arquivo do Nirez)


Para confabular com as imagens dessa postagem, e conhecer um pouco mais da história do 25 de março cearense (assim como a relação de escritores cearenses com o abolicionismo), confira o rico artigo "Os poetas cearenses e a abolição", de Sânzio de Azevedo, publicado na Revista da Academia Cearense de Letras em 1984, acessível no seguinte endereço:

http://www.ceara.pro.br/acl/revistas/revistas/1984/ACL_1984_05_Os_Poetas_Cearenses_e_a_Abolicao_Sanzio_de_Azevedo.pdf

Jornal "Libertador", edição de 25 de março de 1884.


23.3.14

Programação para segunda, dia 24/03

A Arte de Contar Histórias apresenta contos de Moreira Campos e Guimarães Rosa

Dôra Guimarães e Tiago Goulart.
Iniciando as atividades do 1º Centenário de Moreira Campos, será realizado na segunda-feira (24), das 18h às 20h, o evento Arte de Contar Histórias, no auditório da Biblioteca de Ciências Humanas da UFC, no Campus do Benfica. O objetivo é resgatar a prática de contar histórias e despertar o interesse pela criação de grupos de contadores de histórias, além de estimular o prazer da leitura, de divulgar textos clássicos de nossa literatura, e ainda manter e divulgar essa arte milenar.
Na ocasião, serão narrados, nas vozes de Dôra Guimarães e Tiago Goulart, os contos "A hora e vez de Augusto Matraga", de João Guimarães Rosa, e " O peregrino", de Moreira Campos. As inscrições, gratuitas, podem ser feitas pelo e-mail acervodoescritorcearense@gmail.com, bastando o interessado enviar nome completo.


Fonte: Lídia Barroso, pesquisadora do Acervo dos Escritores Cearense – fone: 85 9714 1915

[Retirado de http://www.ufc.br/noticias/noticias-de-2014/4864-a-arte-de-contar-historias-apresenta-contos-de-moreira-campos-e-guimaraes-rosa]

da mediania regionalista

Na "delimitação do campo" que José Maurício Gomes de Almeida faz na introdução de seu estudo A Tradição Regionalista no Romance Brasileiro (1999), encontramos uma observação sobre o período que vai de 1880 a 1922, apontando nele o destaque do conto e a mediania do romance regionalista. Os termos do estudioso são os seguinte:



"Nessa fase [1880-1922] o elemento novo vai ser o destaque obtido pelo conto, até então forma secundária na literatura brasileira. No âmbito específico do romance – que nos diz respeito –, Dona Guidinha do Poço representa a realização mais inovadora e inventiva. De resto, é necessário ter-se em conta que, se o Realismo, com sua preocupação objetivista e documental, propiciou o surgimento de um grande número de romances regionalistas, o nível estético por eles alcançado não ultrapassou quase nunca uma esforçada mediania. Luzia-Homem [romance de Domingos Olímpio, publicado em 1903], sem constituir obra excepcional, destaca-se um pouco dessa massa, daí ter merecido tratamento à parte."

(Almeida, José Maurício G. de. A Tradição Regionalista no Romance Brasileiro (1857-1945).
Rio de Janeiro: Topbooks, 1999)


19.3.14

Retratos do Século XIX: violência institucionalizada

Desenho de Angelo Agostini retrata escravos no tronco.

Alguns acontecimentos que marcaram o noticiário nacional nos últimos dias fazem-nos lembrar a história da violência institucionalizada em nosso país. O assassinato de pessoas de comunidades pobres pela polícia tem engrossado o caldo de indignação e consequentes manifestações contra a brutalidade do estado promovido por seu braço armado e selvagem. As imagens que ilustram esta postagem pretendem apontar para essa longa história da violência estatal em nosso país, para que possamos mais e mais levar adiante um questionamento consistente e justo das ações policiais em nosso país.

Desenho de Angelo Agostini (1886).

16.3.14

Imagens de Canudos


"A natureza compraz-se em um jogo de antíteses." 
(Euclides da Cunha)

Fotografia de Evandro Teixeira, da série realizada em Canudos.

Euclides e Rui, Tristão e Freyre

Já confessei em sala de aula um prazer quase secreto: revelar ou lembrar equívocos do mestre Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Ataíde, nas suas avaliações críticas. Quanto a ele permaneço mesmo amigo do Oswald de Andrade, que o satirizava com o apelido "Tristinho de Ataúde", realizando em seus estudos uma espécie de sociologia com anjos. E hoje deparei com mais uma do Tristinho, dessa vez a respeito do Euclides da Cunha e da literatura regionalista, equívoco apontado por Gilberto Freyre em artigo sobre o autor de Os Sertões intitulado "Euclides da Cunha: revelador da realidade brasileira". É claro que não se trata de uma observação imparcial, como as do pantagruélico Oswald. Mas isso não elimina a relevância do dissenso freyreano.
 Eis o que aponta o autor de Casa grande & Senzala.

Gilberto Freyre.

          Há quem pense de Euclides da Cunha que, "embora nascido no Estado do Rio", ficou "intimamente ligado à literatura nordestina, cuja civilização particularista estudou em suas páginas sensacionais". É a opinião do Professor Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde) à página 59 do seu Quadro sintético da literatura brasileira (Rio, 1956). A propósito do que acrescenta o eminente crítico:

          A região nordestina no Brasil é tão típica, em seus costumes, como a região amazônica, a mineira, a gaúcha ou a do litoral central.

          E lembra já haver outro crítico, o hoje acadêmico Viana Moog, "também romancista e ensaísta de valor", proposto uma "divisão da literatura brasileira baseada nessas idiossincrasias regionais". Com essas digressões – precedidas pelo reconhecimento de um "regionalismo" mineiro (Afonso Arinos) a que se teria juntado um "regionalismo" paulista (Valdomiro Silveira) sem que ao ilustre historiador do Quadro sintético tenha ocorrido a necessidade desses regionalismos e do gaúcho e do mero "pernambucanismo" de Joaquim Nabuco ou do superficial "sertanismo" de Catulo da Paixão Cearense" distinguir-se o muito mais complexo regionalismo em 1924 nascido no Recife – o Professor Alceu Amoroso Lima enche a meia página em que deveria ter fixado o seu julgamento sintético de Euclides pelo mestre atual mais admirado e respeitado da crítica literária no nosso País teria se resumido à moderna atitude de toda uma elite intelectual – a dos críticos literários nacionais – com relação ao autor de Os Sertões. Não se compreende que muito mais do que Euclides tenha merecido do Professor Amoroso Lima, isto é, dos seus julgamentos sintéticos, Rui Barbosa, um tanto arbitrariamente apresentado pelo crítico-historiador como "porventura a mais internacional das nossas grandes figuras literárias, no sentido amplo do termo" (...). Primazia que evidentemente cabe antes a Euclides ou a Machado que a Rui. É uma ilusão, essa, da parte de numerosos brasileiros, de ser Rui Barbosa – que tanto significou, na verdade, para nós, seus compatriotas, e ainda significa, como invulgar jurista-político em quem às virtudes acadêmicas de grande erudito nessas matérias, nas letras clássicas e na filologia, se junto o carisma de bravo homem de ação e de incansável doutrinador de liberalismo, por um lado e por outro, de casticismo – um brasileiro significativo para os meios cultos estrangeiros por qualquer motivo interessados no Brasil. [...] É uma ilusão imaginar-se Rui sob o aspecto de "figura literária" brasileira que tenha impressionado ou impressione ou seduza hoje, estrangeiros, por suas virtudes literárias. Ao afirmá-lo, o crítico e professor Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde) resvala num mito que por sua condição mesmo de crítico devia ser o primeiro a retificar. [...]
[Freyre, Gilberto. "Euclides da Cunha: revelador da realidade brasileira".
In: Cunha, Euclides da. Obra completa, vol. I, pp. 30-31]


15.3.14

Retratos do Século XIX: família Azevedo

D. Emília Amália de Azevedo com seus filhos Aluísio e Arthur, por volta de 1870.


Minha querida Mãe.
É sempre com o mais vivo prazer que recebo suas cartas, mas confesso-lhe que pela última, datada de 28 do mês passado, não me foi muito grata a impressão produzida por suas estranhas perguntas a respeito de minha vida e se eu ainda vivia em casa que o Arthur deixara aqui alugada. Ora essa! Eu nada tenho com o Arthur. [...] A viagem do Arthur para a Europa não alterou em coisa nenhuma minha vida, a não ser na saudade que eu sinto dele e de minha cunhada, que ultimamente era uma verdadeira irmã que eu tinha aqui. [...] Passo aqui uma bela vida. Não dependo de ninguém! Absolutamente de ninguém! Nem do Governo, nem do comércio, nem da lavoura. Só dependo de mim mesmo. [...] Desgraçada terra é esta nossa que, quando um homem não é empregado público, nem comerciante, nem traficante de negros ou cousa que o valha, não pode ser considerado como homem independente. Irra com todos os diabos. Basta que leiam o que se publica a meu respeito; basta que reflitam por um instante que eu sou o único romancista que trabalha todos os dias no Rio de Janeiro, para se poder julgar que tenho uma posição, um nome, uma individualidade. Aqui sou o único homem da geração moderna que nunca está doente, que nunca falha e trabalha para três ou quatro jornais ao mesmo tempo. E ainda se me pergunta como vivo! Vivo do trabalho. Não escrevo circulares e ofícios numa Secretaria, não meço chitas num balcão, mas arranco folhetins da cabeça, imaginando, criando, enriquecendo o pobre pecúlio de livros nacionais [...] Enquanto Vossa Mercê pergunta-me como eu consigo viver, e enquanto essas nulidades atenienses talvez cogitem o segredo de minha subsistência, aqui todo mundo que conhece o Rio aponta-me como um exemplo de coragem e de futuro. Em minha casa reúnem-se não os primeiros políticos do Brasil, mas os primeiros espíritos. Aqui aparecem o Machado de Assis, o França Júnior, o Almeida Reis, Victor Meireles, Cardoso de Meneses, Urbano Duarte, Alencar Mendes, Ferro Cardoso, Patrocínio, etc.
[trecho de carta de Aluísio Azevedo endereçada à sua Mãe, D. Emília, de 12 de fevereiro de 1883]

14.3.14

Os Sertões, por Leopoldo Bernucci


O professor Leopoldo Bernucci, da Universidade da Califórnia/Davis, fala sobre a vida e a obra do escritor Euclides da Cunha. O programa destaca o livro Os Sertões, que retrata a Guerra dos Canudos.

Para assistir, clique no link abaixo:
http://www.youtube.com/watch?v=SI97o38QfjY&list=PLxI8Can9yAHfwU1xgIgN2QLh6SuYsV2gG

13.3.14

Rembrandt na literatura brasileira do início do século XX

Passando em revista os textos dos autores fundamentais do início do século XX no Brasil, aqueles que são classificados pelos tradicionais manuais de literatura como pré-modernistas, surpreendi-me com a presença da imagética de Rembrandt em dois deles: Augusto dos Anjos e Euclides da Cunha. Relacione-se aliás essa referência à imagem jocosa da postagem anterior para termos uma noção mais clara da força sugestiva da pintura de Rembrandt na imaginação dos nossos escritores do final do século XIX e do início do seguinte. Eis os dois trechos, e em seguida a reprodução de um dos mais conhecidos quadros do pintor holandês, intitulado "Aula de Anatomia do Dr. Tulp" (1632).



É o despertar de um povo subterrâneo!
É a fauna cavernícola do crânio
— Macbeths da patológica vigília,
Mostrando, em rembrandtescas telas várias,
As incestuosidades sanguinárias
Que ele tem praticado na família.

[trecho do poema "Monólogo de uma sombra", de Augusto dos Anjos]


Acabo de assistir na estação da Calçada ao desembarcar de cerca de oitenta feridos que chegam de Canudos e não posso, nestas notas ligeiras, esboçar um quadro indefinível com o qual se harmonizariam admiravelmente o gênio sombrio e o pincel funéreo de Rembrandt.
[trecho do Diário de uma expedição, de Euclides da Cunha, datado de 12 de agosto de 1897, Salvador]



Retratos do Século XIX

Com esta dou início a uma série de postagens com imagens representativas do século XIX e relacionadas com a produção e a vida literárias. O objetivo é articular literatura e cultura visual produzidas no Brasil, acumulando material pertinente para pesquisa que venho desenvolvendo há algum tempo, e que em breve será formalizada, com a consequente criação de um grupo de estudos.
O título da série de postagens é deliberadamente ambíguo, pretendendo evocar tanto imagens que representem aspectos culturais do Brasil oitocentista quanto retratos de figuras importantes para a criação literária do período. As postagens portanto não se limitarão aos retratos: estamparei nelas as mais variadas modalidades de imagens, de padrões arquitetônicos a paisagens, contemplando obviamente retratos propriamente ditos.
E é com um retrato de um grupo de literatos do segundo oitocentos brasileiro que abro a série. Trata-se de uma fotografia em que figuram escritores que participaram da fundação da Academia Brasileira de Letras, entre eles Arthur Azevedo (irmão de Aluísio), Olavo Bilac e Coelho Neto (infelizmente não consegui identificar os demais personagens). A fotografia registra uma espécie de paródia de um famoso quadro de Rembrandt (1606-1669) intitulado "Aula de Anatomia". É de Arthur Azevedo o corpo que está sendo "dissecado". Na parte inferior da fotografia há uma assinatura do poeta parnasiano Olavo Bilac.
Se alguém souber da identidade dos participantes da cena e a data do registro fotográfico, favor enviar carta a esta redação. Divirtam-se.