31.5.13

Saudade de Manuel Bandeira, de Vinícius de Moraes

Na postagem de ontem referi-me à consideração de Vinícius de Moraes para com Manuel Bandeira, a quem chamou em belíssimo poema de "Poeta, pai! áspero irmão". Ocasião portanto para conhecer o poema de Vinícius em que encontramos a expressão referida, tão delicado em sua poética afetividade. Apreciem:


Saudade de Manuel Bandeira

Não foste apenas um segredo
De poesia e de emoção
Foste uma estrela em meu degredo
Poeta, pai! áspero irmão.

Não me abraçaste só no peito
Puseste a mão na minha mão
Eu, pequenino – tu, eleito
Poeta, pai! áspero irmão.

Lúcido, alto e ascético amigo
De triste e claro coração
Que sonhas tanto a sós contigo
Poeta, pai, áspero irmão?


(MORAES, Vinícius. Nova antologia poética. Org. Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz.
São Paulo: Companhia das Letras, 2003)

30.5.13

São João Batista do Modernismo e outros santos de casa


Há dias que olho para esta foto, que figura como pano de fundo de meu computador, e não canso de mirá-la. É daquelas que se pode chamar, sem muito risco de ser impreciso ou exagerado, de histórica. A fotografia é de Pedro de Moraes, filho de Vinícius, que aparece ao lado de Tom Jobim, Chico  Buarque e Manuel Bandeira, principalmente Manuel Bandeira. Reparem que os três mais moços observam reverentes a face do velho poeta, que então deveria ter passado dos 80 anos, na véspera de seu momento iniludível, "Quando a Indesejada das gentes chegar"... Bandeira está em característico pijama, parece-nos a receber a rapaziada da pesada: Vinícius, que o chamara "Poeta, pai! áspero irmão", Tom, que recriou musicalmente alguns poemas do mais ilustre dos habitantes de Pasárgada, e Chico Buarque, conhecedor íntimo e familiar do poeta e de sua poesia.
Não consegui descobrir a data do encontro, mas ele deve ter acontecido em meados da década de 1960, ou pouco depois (lembrando que Bandeira morreria em fins de 1968,
com 82 anos). História, poesia e música.



27.5.13

Estrela da Vida Inteira, o disco


Em 1986, ano em que o centenário de nascimento de Manuel Bandeira era comemorado, Olívia Hime gravou o disco Estrela da vida inteira, com poemas do autor de "Vou-me embora pra Pasárgada" musicados por vários compositores, como Francis Hime, Dori Caymmi, Gilberto Gil e Tom Jobim. Os poemas musicados podem ser ouvidos no seguinte endereço:
http://www.qualquermusica.com/discoteca/O/53-olivia-hime/58-estrela-da-vida-inteira
 

26.5.13

Cultura e identidade nacionais: Mário de Andrade


"O despaisamento provocado pela educação em livros estrangeiros, contaminação dos costumes estrangeiros por causa da ingênita macaqueação que existe sempre nos seres primitivos, ainda, por causa da leitura demasiadamente pormenorizada não das obras-primas universais dum outro povo, mas das suas obras menores, particulares, nacionais, esse despaisamento é mais ou menos fatal, não há dúvida, num país primitivo e de pequena tradição como o nosso. Pois é preciso desprimitivar o país, acentuar a tradição, prolongá-la, engrandecê-la. [...] É preciso começar esse trabalho de abrasileiramento do Brasil, [...] você compreenderá a grandeza desse nacionalismo universalista que eu prego. De que maneira nós podemos concorrer pra grandeza da humanidade? É sendo franceses ou alemães? Não, porque isso já está na civilização. O nosso contingente tem de ser brasileiro. O dia em que nós formos inteiramente brasileiros e só brasileiros a humanidade estará rica de mais uma raça, rica duma nova combinação de qualidades humanas."

(Mário de Andrade, carta a Carlos Drummond de Andrade)

23.5.13

Para escutar Francisco Carvalho


Aos interessados por sonetos



"Eu diria a eles que desistam da ideia de escrever sonetos. O soneto é um estigma que nos marca para o resto da vida. A resposta a esta sua pergunta está na aba direita das Memórias do Espantalho. O problema é que o autor de sonetos passa a ser rotulado de sonetista, uma palavra seguramente pornográfica. Como aplicar esse rótulo grotesco a poetas da estatura de Petrarca, Camões, Gôngora, Quevedo, Jorge de Lima?"

(Francisco Carvalho, Diário do Nordeste, 13 de junho de 2004)

22.5.13

o vigoroso painel poético de Gerardo Mello Mourão

Gerardo Mello Mourão é, entre os poetas cearenses do século XX, certamente o mais renomado Brasil afora e até mesmo no exterior. Carlos Drummond de Andrade declarou-se "possuído de violenta admiração pelo imenso, dramático e vigoroso painel" de Gerardo, poeta nascido em Ipueiras no dia 8 de janeiro de 1917. Ezra Pound, poeta norteamericano fundamental para a poesia contemporânea, elogiou a trilogia Os Peãs, iniciada pelo livro O País dos Mourões. Em 1998, Gerardo foi agraciado com o Prêmio Jabuti por sua epopeia A Invenção do Mar, considerado pelo crítico Wilson Martins como Os Lusíadas brasileiro. Leia abaixo um poema do bardo cearense, que morreu em 2007.












O QUE AS SEREIAS DIZIAM A ULISSES NA NOITE DO MAR

Sobre a frase musical de Ivar Frounberg
"Was sagen die Sirenen als Odysseus vorbei segelte"

Ninguém jamais ouviu um canto igual
ao canto que te canto
escuta: as ondas e os ventos se calaram e a noite e o mar
só ouvem minha voz — a noite e o mar e tu
marinheiro do mar de rosas verdes:

virás: é um leito de rosas e lençóis de jasmim — e ao ritmo
do teu corpo entre a cintura e as ancas
mais o lençol de aromas de meu corpo
em monte de pétalas desfeito:

e dormirás comigo
e os que dormem com  deusas
                   deuses serão — verás
cada arco de minhas curvas
à forma de teu corpo moldaremos — e a pele tua
aprenderá da minha
aroma e maciez e música
e entre garganta e nuca aprenderás
a noite dos que dormem a aurora dos que acordam
sobre os seios das deusas também deuses.

Vem dormir comigo
                  e comigo
e todas as sereias.

Todas as deusas se entregam
ao amante que um dia possuiu uma deusa
e então todas as fêmeas dos homens
Helenas, Briseidas e a Penélope tua
hão de implorar às Musas — e as Musas a Eros e Afrodite
a volúpia de uma noite contigo.

Não partas!
                                se partires
as velas de tua nau serão escassas
para enxugar-te as lágrimas — e nunca
nunca mais tocarás a pele das deusas
nunca mais a virilha das fêmeas dos homens
e nunca mais serás um deus

e nunca mais a melodia de uma canção de amor 
dos hinos do himeneu:
abelhas mortas para sempre irão morar
na pedra do jazigo de cera
de teus ouvidos cegos.

Mas vem
e vem dormir comigo
                  e comigo
                  e minhas irmãs e todas
                  as sereias do mar
                  as sereias da terra
                  e as sereias dos céus.


(Rio de Janeiro, 1998)



[o poema e as informações transcritas acima foram retiradas de http://www.germinaliteratura.com.br/literatura_fev2007_josevieirademelo.htm]

21.5.13

A genealogia dos poetas

Na fotografia, o poeta de quem então Alencar falava










Hoje já é terça, e este picadeiro pede ao menos uma frase ou ideia que brilhe... Ei-la:



"A genealogia dos poetas começa com seu primeiro poema."

(José de Alencar, 1968 – Carta a Machado de Assis, sobre Castro Alves)

18.5.13

na manhã de sábado

 







Chegado à escrivaninha chegou-se a mim livrinho de Laís Corrêa de Araújo sobre o poeta mineiro Murilo Mendes, segundo volume da coleção Poetas Modernos do Brasil, editada pela Vozes e coordenada por Affonso Ávila, de 1972. O livro é um roteiro de leitura bastante panorâmico, contendo Nota Biográfica, Introdução Crítica, Antologia, Ideário Crítico, Depoimentos e Bibliografia. Ao encontrar o livro sobre a mesa, abri-o aleatório e caí (ou antes ascendi a) neste poema do bom Murilo Mendes, que consta na Antologia:


Manhã


As estátuas sem mim não podem mover os braços
Minhas antigas namoradas sem mim não podem amar seus maridos
Muitos versos sem mim não poderão existir.

É inútil deter as aparições da musa
É difícil não amar a vida
Mesmo explorado pelos homens
É absurdo achar mais realidade na lei que nas estrelas
Sou poeta irrevogavelmente.

(de Os Quatro Elementos)

15.5.13

Alencar, verso e reverso


       Alencar escreve sua primeira comédia, O Rio de Janeiro, verso e reverso, em 1857, e, poucos dias depois da estreia, que ocorreu a 28 de outubro no Teatro Ginásio Dramático, afirma que conseguiu realizar o seu intento: "O público, que ouve de bom humor, diz que consegui o primeiro fim, o de fazer rir; os homens os mais severos em matéria de moralidade não acham aí uma só palavra, uma frase, que possa fazer corar uma menina de quinze anos".
       [...] "Fazer rir, sem fazer corar" significa, antes de tudo, banir os recursos do baixo cômico do palco, todos aqueles que sacodem a plateia, provocando ruidosas gargalhadas. Consequentemente, o autor deve se contentar com o sorriso do espectador, que pode ser despertado por um dito espirituoso, por alguma observação delicada, por uma réplica bem humorada. É a alta comédia que Alencar tem em mente quando abraça a carreira de dramaturgo, logo após a publicação do romance O Guarani, nas páginas do Diário do Rio de Janeiro, entre janeiro e abril de 1857.
       Verso e reverso é uma primeira tentativa, ainda modesta em seus dois atos e ação singela, uma preparação para as comédias escritas em seguida, mais extensas e cheias de  intenções edificantes. O que a difere das peças de Martins Pena e [Joaquim Manuel de] Macedo é a comicidade leve e discreta, em apelo a correrias ou pancadarias em cena, disfarces e esconderijos. [...]

(Faria, João Roberto. "Introdução". In: Mate, Alexandre & Schwarcz, Pedro M. (Orgs.). Antologia do teatro brasileiro. São Paulo: Peguin Classics Companhia das Letras, 2012.)

13.5.13

E-Dicionário de Termos Literários

Para consultar o E-Dicionário de Termos Literários de Carlos Ceia
http://www.edtl.com.pt/index.php

10.5.13

Princípios ativos

No fim de uma semana de trabalho massacrante, ressoa no espírito os princípios que um dia Belchior cantou:
"É nunca fazer nada que o mestre mandar
 Sempre desobedecer
 Nunca reverenciar".
Assim esperamos...

8.5.13

Permanências e novidades: antes durante e depois da Semana

Em "Permanências e novidades nas letras do Ceará", Otacílio Colares fala da convivência de elementos contraditórios no período anterior ao estabelecimento do modernismo entre nós (que acontece com a publicação de O canto novo da raça, em 1927), assim como depois desse estabelecimento, lado a lado convivendo "Modernistas e Passadistas" (que foi aliás título de seção do jornal O Povo em seu momento inicial).
Pois reparem que não foi privilégio nosso. Basta lermos as páginas de Vida e Morte da Antropofagia, de Raul Bopp, para contatarmos:





                Enquanto Paris se agitava dentro de novas correntes culturais, no Brasil somente algumas poucas áreas eram sensíveis a essa inquietação. Pressentia-se, em vibrações vagas, a necessidade de substituir a expressão artística por formas mais evoluídas.
                São Paulo, em problemas de arte, permanecia ainda num velho conformismo, amarrado a formas antiquadas, em contradição com a sua pujança econômica. Guardava posições acadêmicas, numa rigorosa sujeição aos preceitos rotineiros.
                Os andaimes se projetavam, cada vez mais altos. As chaminás afirmavam a sua força industrial, pelos setores urbanos. Mas o espírito moderno (no período anterior a 1922), em suas tímidas vacilações, não havia penetrado nos seus hábitos de atividade, em sintonia com a sua evolução material. Estava embrionário. Ocultava-se, entre resíduos passadistas, vago e desajustado.
(Bopp, Raul. Vida e morte da Antropofagia. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008, p. 34-5)


Haveria o que discutir, e até mesmo questionar, nas palavras de Raul Bopp, mas vale o registro histórico, que se aproxima daquele de Otacílio Colares sobre as letras do Ceará.

7.5.13

"Cabocla", de Jáder de Carvalho, e a pintura modernista

O poema é "Cabocla", de Jáder de Carvalho, publicado originalmente no livro inaugural do modernismo cearense, O canto novo da raça (1927). O poema é emblemático, pois desenvolve aspectos característicos da poesia de Jáder, como é o caso do forte sabor telúrico. É Jáder de Carvalho "de longe o poeta mais telúrico dos autores d'O canto novo da raça", como afirma Sânzio de Azevedo em seu estudo O modernismo na poesia cearense (p. 24). Além desse telurismo do poeta, o poema exalta "O homem novo do Norte, / contemporâneo" e refere-se "à voz do dínamo", como marca de seu tempo.
Mas interessa aqui relacionar alguns versos deste poema a imagens importantes das artes plásticas do modernismo em âmbito nacional. Primeiramente, a imagem da cabocla, do samba e da viola, que aparecem na segunda estrofe do poema:




No teu olhar, apenas vive a lembrança fatal
de anônimas tragédias e prélios de paixão...
Não buscas mais, com o mesmo ardor, a viola e o samba...
O samba – em que tu foste a Tentação!
A viola – que é feita dos teus suspiros e das tuas queixas!


Di Cavalcanti foi talvez o artista que melhor representou a figura feminina na perspectiva modernista, em que sensualidade, mestiçagem e ambientação cultural figuram de modo afirmativo, numa espécie de retrato afetivo das manifestações nacionais populares e festivas. Reparem na imagem abaixo, reprodução do quadro à óleo Samba, de 1925:


A imagem acima é rica em aspectos formadores de nossa cultura, aspectos que só depois das revoltas modernistas passaram a entrar com mais frequência na produção artística brasileira.
O segundo trecho do poema que podemos relacionar com a produção pictórica característica do modernismo é o seguinte:



Ele trará, nas veias, outro sangue mais frio...
Detendo os rios nos seus cursos,
num amplexo de argamassa e pedra unirá as montanhas!
Ah, a legião ululante das águas
a esbater-se no peito ciclópico das barragens!
 
Os versos evocam mais uma vez o nascimento do "homem novo", proveniente da "Fecundidade" da cabocla cantada. E é este "homem novo" que irá construir uma nova nação, que espera de seus filhos a força para mudar-lhe a paisagem e fazer com que sua grandiosa natureza testemunhe a construção de um país. A representação desse desenvolvimento nacional, que exigia monumental empenho para a construção de cidades e estradas, transporte e telecomunicação, figurou também entre as imagens característica do modernismo brasileiro, como é o caso dos painéis de Cândido Portinari Construção de Rodovia, de 1936, reproduzidos abaixo:



Vale lembrar que Portinari retratou também situações típicas das condições climáticas do Nordeste brasileiro, o que logicamente aparece nos versos do modernismo cearense. Aliás, o romance regionalista de 1930 desenvolveria com recorrência a temática das secas, tema central de uma série de quadros de Portinari, entre os quais alguns dos mais conhecidos de sua paleta, como é o caso de Os retirantes e Criança Morta, ambos de 1940, reproduzidos abaixo: