30.5.12

Raul Pompeia ilustrador

Raul Pompeia ilustrou a "crônica de saudades" que é O Ateneu.











Arlequinal de Mário em Machado

No famoso capítulo VII de Memórias Póstumas de Brás Cubas, "O delírio", Machado de Assis faz figurar "as formas várias de um mal" com "vestes de arlequim". O trecho pode ser interessante para a discussão do "Arlequinal" em Mário de Andrade. Segue um recorte do capítulo:


Eram as formas várias de um mal, que ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento, e passeava eternamente as suas vestes de arlequim, em derredor da espécie humana. A dor cedia alguma vez, mas cedia à indiferença, que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que era uma dor bastarda. Então o homem, flagelado e rebelde, corria diante da fatalidade das cousas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação; e essa figura – nada menos que a quimera da felicidade – ou lhe fugia perpetuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão.

[Machado de Assis. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Capítulo VII: “O delírio”; ilustra esta postagem "Arlequim" (1918), de Pablo Picasso]

27.5.12

o valor poético da piada

A visualidade, a síntese e o humor foram forças fundamentais na programação do modernismo iniciado em São Paulo. O poema-piada foi uma armas empunhadas por essas forças, e com ela pretendeu-se combater um dos males que pretensamente nos condenavam à estagnação, mal identificado por Paulo Prado (no prefácio a Pau-Brasil, de 1924) -- "o mal da eloquência balofa e roçagante". Oswald de Andrade foi o poeta da "fase heroica" que mais se utilizou dessas armas, Mário de Andrade parece nunca ter a ela se afeiçoado, e Manuel Bandeira brincava ocasionalmente com ela. No seu Itinerário de Pasárgada (1957), refletiria sobre seu uso sistemático e também sobre a sisudez que alguns consideravam requisito de poesia: 

"Por essas e outras brincadeiras estamos agora pagando caro, porque o 'espírito de piada', o 'poema-piada' são tidos hoje por característica precípua do modernismo, como se toda a obra de Murilo [Mendes], de Mário de Andrade e outros, eu inclusive, não passasse de um chorrilho de piadas. Houve um poeta na geração de 22 que se exprimiu quase que exclusivamente pela piada: Oswald de Andrade. Mas isso nele não era 'modernismo': era, e continua sendo, o seu modo peculiar de expressão. [...] Mas quem negará a carga de poesia que há nas piadas de Pau Brasil? E por que essa condenação da piada, como se a vida só fosse feita de momentos graves ou se só nestes houvesse teor poético?" (Bandeira, Manuel. Itinerário de Pasárgada. Rio de Janeiro: Record, 1984, p. 94-5)

26.5.12

Bandeira e o "lirismo dos loucos"


              [...]
          Talvez Manuel Bandeira fale do “lirismo dos loucos”, do “lirismo dos bêbados/ o difícil e pungente lirismo dos bêbados”, movido pela necessidade de dar nome às palavras dos homens, mas, reconhecendo que vivemos em um período de crise, de uma cisão social e psíquica exasperada, ao dar nome às palavras e aos sofrimentos dos homens, entrega-nos, em custódia, o nome e a identidade de seres igualmente feridos. Esta identificação do poeta a seres marginais, a seres feridos, a seres mínimos, dá-nos a medida da pungência e da compaixão característica de sua poesia. [...] A experiência da palavra, que encontra a sua síntese mais alta na poesia, é emoção. É apenas porque o lirismo propõe-se como projeto conservar plena e íntegra recordação da experiência individual e social, que o poeta pode integrar a experiência de seres que vivem à margem e trazê-los, com a força compassiva de sua emoção e de seu canto, para junto de nós.
             [...]

[Koshiyama, Jorge. “O lirismo em si mesmo: leitura de ‘Poética’ de Manuel Bandeira. In: Bosi, Alfredo (Org.).
Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 1996, p. 92]

de Bandeira para Verlaine



                                                     Verlaine

Não te posso dar flor nem fruto. Folha ou galho
Sim. Folha e não será de álamo ou tília fina.
Folha do mato, mas cheirosa de resina,
Levando à tua glória uma gota de orvalho.
  
                                                                                

 [Bandeira, Manuel. In: ­Mafuá do Malungo, 1948]

23.5.12

Passeando pela internet, encontrei uma nota bastante informativa e bem escrita sobre a vida e a produção poética de Paul-Marie Verlaine. Ela está em um blog chamado "Os Lorenas", e divide-se em duas extensas partes, com poemas em francês e suas traduções, além de composições musicais que foram feitas a partir da obra de Verlaine. Vale conferir para conhecer um pouco mais desse protagonista fundamental do Simbolismo francês, que foi mestre de musical melancolia de nosso Alphonsus de Guimaraens. O endereço da postagem é o seguinte:

http://oslorenas.blogspot.com.br/2011/02/paul-marie-verlaine-i.html

[na fotografia ao lado, o poeta Paul-Marie Verlaine]

22.5.12

Dias depois da morte de Alphonsus de Guimarães, Oswald de Andrade homenageava "o Solitário de Mariana", no Jornal do Comércio de 24 de julho de 1921. Segue trecho da nota publicada:

"Alphonsus de Guimaraens valia sem dúvida todos os poetas juntos da Academia Brasileira. Faleceu em Mariana, pobremente, onde vivia fazendo há vinte anos os melhores versos do seu país./ Foi com dois ou três esquecidos, [...] um lutador da arte nova. [...] Hoje que uma estuante geração paulista quebra nas mãos a urupuca de taquara dos versos medidos, a figura de Alphonsus de Guimaraens assume a sua inteira grandeza no movimento da boa arte nacional. [...] São Paulo presta ao grande morto a homenagem dos novos. A reação por ele iniciada contra a incultura e o atraso dos nossos princiapais poetas está sendo rigorosamente continuada. [...] Poetas como ele honram não só uma geração como uma pátrias."

[In: Guimaraens Filho, Alphonsus de. Alphonsus de Guimaraens no seu ambiente.
Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1995, p. 366-7;
na fotografia ao lado, o poeta Alphonsus de Guimaraens]

Um Surto Abafado de Simbolismo, por Oswald de Andrade






"Houvera um surto de Simbolismo com Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimarães, mas a literatura oficial abafava tudo. Bilac e Coelho Neto, Coelho Neto e Bilac."

[Andrade, Oswald de. Um homem sem profissão, 1974, p. 75;
ao lado, Oswald de Andrade
fotografado por Gregori Warchavchik em 1943]

21.5.12

Verlaine traduzido por Alphonsus


Canção do Outono



Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minh'alma
Num langor de calma
E sono.

Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.
 
Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido... 



 

[In: Verlaine, Paul. Poèmes Saturniens (1866).
Tradução de Alphonsus de Guimaraens;
na fotografia, Verlaine com absinto]

O que é um poeta parnasiano? (2)

Trata-se agora de definir o poeta parnasiano para diferenciar a expressão simbolista de Cruz e Sousa. O "Dante Negro" esteve, como os demais simbolistas, próximo do formalismo dos poetas do Parnaso, mas a concepção da linguagem torna parnasianos e simbolistas distantes em seus fundamentos, desenvolvendo caminhos paralelos que entanto não se encontram no infinito (pois a linguagem parnasiana não aspirou jamais tal transcendência). Vejamos o que diz Alfredo Bosi a respeito.


"Para o parnasiano, tudo pode ser dito com clareza: não há transcendência em relação às palavras, pois estas se apresentam em estreita mimese com a realidade empírica. Mas um poeta como Cruz e Sousa, que se vê dilacerado entre matéria e espírito, dará à palavra a tarefa de reproduzir a sua própria tensão e acabará acusando os limites expressionais do verbo humano."

[Bosi, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994, p. 272]

20.5.12

O que é um poeta parnasiano?

Oswald de Andrade dissera, no "Manifesto da Poesia Pau-Brasil" (1924), que o poeta parnasiano era "uma máquina de fazer versos". A rígida doutrinção poética, que fizera Manuel Bandeira dizer "Não há mais poesia / Mas há artes poéticas..." (1918), de fato sufocara a invenção e a surpresa em poesia. Mas essas são concepções de quem estava em combate contra "Os mestres do passado" (título de uma série de artigos de Mário de Andrade), abrindo um espaço vital para os desenvolvimentos modernistas em nossa literatura. Vejamos como o poeta parnasiano é caracterizado por Roger Bastide:

     "O parnasiano é um homem para quem o mundo exterior existe. Sua arte se parece mais com a escultura do que com a música, e seus versos têm a dureza do mármore, a cintilação das pedras preciosas. O que ele quer tentar captar, para inscrever num poema, não é a sutileza dos sentimentos, mas as cores e as linhas, os volumes e os planos. Sua poesia tende para a imagem, até mesmo para a pura descrição, nos menos dotados entre eles."

[Bastide, Roger. Poetas do Brasil. São Paulo: EDUSP; Duas Cidades, 1997, p. 57]

O trecho, retirado de ensaio sobre Manuel Bandeira, é parte de um esclarecimento que Roger Bastide pretende colocar logo no início de seu texto: o poeta modernista em questão "começou pelo parnasianismo", mas para ele o Parnaso não passou de "uma primeira solução para um drama interior" -- ou seja, não chegou a ser para o poeta de "Vou-me embora pra Pasárgada" uma estética.

18.5.12

Decadentismo de Alphonsus de Guimaraens


     "Alphonsus atingiu, quase desde o começo de sua produção, uma feição pessoal iterativa, que a seu respeito é possível discriminar influências sem lhe gravar, com isso, a originalidade. A sua obra inteira é de acentuada unidade expressional, apesar das contribuições já conhecidas, que antes sublinham essa integridade. Pelo menos, elas explicam-lhe a peculiar fisionamia 'decadente', que o foi como a que mais o tenha sido no nosso Simbolismo. Entranhadamente 'decadente'; mas o decorativismo da tendência não lhe era exclusivamente livresco, como em quase todos os seus compaanheiros. A sua Minas [Gerais] colonial e barroca, com o seu inalienável e grande caráter, ali estava, cercando-o, circunscrevendo-lhe a visão e sensibilidade. A terra e a alma da terra eram, por igual, 'decadentes'. Por isso a obra de Alphonsus é a voz mesma do seu ambiente vital, e também aquela em que mais difícil se torna destrinçar claramente o classicismo arcádico e o decadentismo seu contemporâneo, que lhe são, ambos, constitucionais [que constituem a personalidade literária do poeta]."


[Murici, Andrade. “Presença do Simbolismo”. In: Coutinho, Afrânio (Org.). A literatura no Brasil, vol. 4, p. 437]

17.5.12

Processo poético de Cruz e Sousa




O chefe da escola francesa [Mallarmé], por apuro supremo chegará à palavra que dá a conhecer uma ausência, enquanto o processo de Cruz e Sousa será o da cristalização. A cristalização é purificação, e solidificação na transparência, podendo assim guardar na sua branca geometria alguma coisa da pureza das Formas eternas, das Essências das coisas.

[Roger Bastide Apud Coutinho, Afrânio (Org.).
A literatura no Brasil, vol. 4, p. 405; ao lado, Silêncio, de Odilon Redon]