12.1.12

palhaço de classe: Literatura e sociedade contemporânea

palhaço de classe: Literatura e sociedade contemporânea

Literatura e sociedade contemporânea

A revista Cult de número 163 (novembro de 2011) traz uma entrevista com Luiz Eduardo Soares, sociólogo que se tornou midiático por, entre outras, ter participado do roteiro de Tropa de Elite. Critico a argumentação que o filme sustenta no debate sobre segurança, criminalidade e sistema penal, mas acho que Luiz Eduardo tem grande conhecimento do assunto e alguma sensibilidade para trazer a tona considerações importantes sobre a justiça no Brasil. Ele lançou recentemente um novo livro, intitulado Justiça, que aborda aspectos relacionados.
Retirei da entrevista um pequeno trecho, que me lembrou imediatamente o João Miguel da Rachel de Queiroz, do qual recortei um trecho que converge para reflexão sociológica tão premente nos dia de hoje. Primeiro, diz Eduardo Soares:

"É preciso reduzir a confusão entre justiça e punição. A prisão deveria ser limitada aos casos que envolvem violência, que exigem o afastamento das pessoas que representam ameaça. Por exemplo, o que é mais interessante para a sociedade: que o político corrupto fique preso, como uma espécie de vingança, ou que ajude a pagar o prejuízo que causou? A utilização do conhecimento e do trabalho das pessoas seria muito mais interessante para a sociedade e serviria igualmente para inibir a repetição dos crimes."

E o trecho da Rachel de Queiroz é o seguinte:

    – A gente pensando bem, você é que está certo, Seu João. Não há nada pior no mundo do que um homem viver preso. Diz que não há mal que não venha pra bem... Mas qual é o bem de se encarcerar um vivente? Só se for para vingança dos que morrem pela mão da gente... Mas que vantagem se pode tirar dessa vingança? E quando foi que Deus Nosso Senhor disse que vingança era bom? E o que me faz mais raiva é esse sofrimento desperdiçado... é como quem mata pra estruir... Quem é, no mundo, que ganha com cadeia? O governo fica com uns poucos de homens nas costas, pra sustentar, e ainda por cima tem que pagar os soldados de guarda. O patrão perde seu empregado, muita vez o seu homem de confiança. A terra deixa de ter quem limpe, quem broque, quem plante. Quantos alqueires de milho não se deixou de apanhar, por minha falta? E, agora, nós? De que serve para a gente a cadeia? Só pra se ficar pior... A gente aprende a mentir, a se esconder, a perder o sentimento, de tanto agüentar desaforo de todo o mundo. Perde o costume de trabalhar e, quando muito, faz esses servicinhos de mulher, assentado no chão... E, vivendo em tão má companhia, os que não são ruins de natureza, e fizeram uma besteira sem saberem como, acabam iguais aos piores... Me diga, Seu João, me diga, pelo amor de Deus, qual pode ser a vantagem para esse homem que morreu, e para o povo do Riachão, em me botarem apodrecendo aqui neste chiqueiro, meus filhos morrendo de fome, minha mulher se acabando para arranjar um cozinhado de feijão ou uma cuia de farinha? Por aquele infeliz ter ido para debaixo do chão, valia a pena se fazer esta desgraça toda a tanta gente? Tem lá Deus no céu nem na terra quem mande uma lei dessas? Não era muito mais direito que eu tivesse ficado trabalhando no meu canto, dando comida a esse bando de crianças que não tem culpa do que o pai fez, para serem elas que paguem? Não era muito melhor que me obrigassem a sustentar a viúva do finado e até a criar os filhos dele? Isso é que era o direito, isso é que era a lei boa!

[QUEIROZ, Rachel de. João Miguel. 15ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. pp. 128-9]