27.11.11

ainda sobre Alencar

Apresentação da obra/vida de José de Alencar, em vídeo produzido pala TV Escola. Direção de Luiz Fernando Ramos.

O estilo de Iracema, por Machado de Assis

O estilo do livro é como a linguagem daqueles povos: imagens e ideias, agrestes e pitorescas, respirando ainda as auras da montanha, cintilam nas cento e cinquenta páginas da Iracema. Há, sem dúvida, superabundância de imagens, e o autor, com uma rara consciência literária, é o primeiro a reconhecer este defeito. O autor emendará, sem dúvida, a obra empregando neste ponto uma conveniente sobriedade. O excesso, porém, se pede a revisão da obra, prova em favor da poesia americana, confirmando ao mesmo tempo o talento original e fecundo do autor. Do valor das imagens e comparações, só se pode julgar lendo livro, e para ele enviamos os leitores estudiosos.

[Machado de Assis. In: Alencar, José de. Iracema: lenda do Ceará. Biografia, introdução e notas
de M. Cavalcanti Proença. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997]

{para conferir texto completo, ver http://pt.wikisource.org/wiki/Jos%C3%A9_de_Alencar:_Iracema}

Sobre o uso do símile em Iracema

[...]
Qualquer leitor mais atento notará que o símile, isto é, a comparação, é abundantemente usado; alguém, dispondo de pendores estatísticos, poderia levantar, desde logo, o número assoberbante de símiles em relação às outras figuras, não só de comparação, como seja a metáfora, ou, ainda, por justaposição, a metonímia, mas em relação, também, a figuras de qualquer espécie. Será bom, por isso, que nos detenhamos um pouco sobre os símiles.
A primeira observação a fazer é a raridade das comparações simples do tipo “passa como a flecha”. Na verdade a comparação se prolonga, várias vezes se transforma em alegoria. Tomemos, ao acaso, um exemplo em cada um dos três primeiros capítulos: “a borrasca enverga, como o condor, as foscas asas sobre o abismo” (1); “o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva” (2); “então seu olhar como o do tigre, afeito às trevas, conheceu Iracema” (3). Note-se, no primeiro, as asas do condor que é negro como as nuvens tempestuosas, as asas cujo aceno sugere os ventos ainda não desencadeados; o “fosca”, reproduzindo bem a luz baça do céu de tempestade, e, afinal, o oceano que se vai tornar perigoso durante a tormenta, desde logo denominado “abismo”. No segundo caso, a delicadeza do símile começa naquele “aljôfar” metafórico, sugerindo pérolas ou diamantes, e se prolonga no verbo “roreja” que antecipa a imagem da mangaba coberta de orvalho, rosada, que é sinal de amadurecimento e subentende a doçura extrema, que é da mangaba e é de Iracema. No terceiro, a idéia de tigre confere a Araquém não só o olhar felino, perspícuo na treva, mas atributos de coragem altiva que irá demonstrar mais tarde. Se o leitor acompanhou com interesse este comentário, e deseja um exemplo de símiles que se prolongam em alegorias, pode ir ao capítulo 27, nos parágrafos em que Martim é comparado ao imbu; ou ao fim dos capítulos seguintes, quando se fala do jacarandá. São duas entre várias.
[...]

(In: Alencar, José de. Iracema: lenda do Ceará. Biografia, introdução e notas
por M. Cavalcanti Proença. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997)
[ilustração: Iracema (1881), óleo de José Maria de Medeiros]